Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU!
Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite
Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU!
Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite
Há precisamente 49 anos a 17 de Fevereiro a PIDE/DGS prendia estes 3 homens: Jaime Gama, Raul Rêgo e Salgado Zenha. Os tempos eram outros e a palavra de ordem bem diferente da que hoje vivemos. Deixo em homenagem as minhas palavras:
PALAVRAS
Pensemos Em tudo o que nos constitui, Em qualquer universo De existir...
Aqui! Neste mundo em que vivemos, Enquanto seres Que se desenvolvem Pela comunicação das partes Com o todo, Na nossa realidade, De humanos Que se movem Pelas relações entre eles E o próprio meio...
Aqui, Onde aquilo que mais depressa Se devora, consome Ou se assimila e que, Por outro lado, Mais produz, cria Ou desenvolve é, Com inequívoca certeza, A Palavra.
Esse conjunto de letras certas, Absolutas ou relativizadas, E não um qualquer paleio Ou palavreado em abstrato...
Não se trata De uma simples conversa Sem sentido Ou mera circunstância... Não!
Importa sim O ato criativo Que nos ajuda a pensar e progredir...
Importa realmente a expressão última Que nos torna comunicativos, Únicos e humanos: A Palavra.
Em suma Nada é tão apelativo Tal como uma boa meia dúzia De doces palavras...
Ditas no momento correto, Na altura exata, À pessoa certa! . É imenso o valor dessa Palavra!...
Tudo se constrói Pela linguagem! Tudo se pensa pela soma De palavras Em contínuo turbilhão... Tudo se vive e vibra Nas palavras...
Caem governos Por uma palavra A mais ou a menos, Sobem e descem ações, Vivem dela os Mercados, Vive a crise, a inflação. Até a Lei e a ordem Da palavra fazem força. Descreve a queda do Euro, O confisco dos mais pobres E o fasto Dos magnatas...
Ficção ou realidade; Sonho ou existir; Ser ou Não Ser; Liberdade ou tirania; Meu Deus... Palavras!
A tentação Última dos poetas: Sobreviver Depois do Ser!
E renascer Nas páginas Que deixam Para a eternidade Somatórios de letras, Que lhes darão vida, Após a morte: Palavras!
Palavras Que se escrevem a sangue Ou no vermelho dos cravos, Fáceis de dizer, Difíceis de cumprir: Paz, Liberdade, Solidariedade, Saúde, Vida...
Palavras, Matamos por elas, Sofremos por elas, Morremos por elas, Mas também nascemos, vivemos, Sentimos, rimos e festejamos Por elas. Que se calem jamais essas palavras.
Faz hoje 130 anos que o Escultor Soares dos Reis se suicidou. O maior nome da Escultura Nacional na fase de transição entre o Romantismo e o Realismo, ceifou a sua própria vida, com 2 tiros de pistola, na cabeça, aos 41 anos de idade. Portugal perdia, nessa altura, um dos seus maiores génios de sempre no que às Belas Artes diz respeito. Considerado um dos grandes, melhores e mais geniais escultores do mundo no seu tempo, morreu com apenas 22 anos de carreira. Foi o primeiro a esculpir a Saudade em estátua. Criou o busto feminino da Flor Agreste, um rosto belo, jovem, mas vindo do povo, não composto segundo as modas da época, ou o modelo não tivesse sido uma carvoeira vizinha do escultor. Mas Soares dos Reis é também o autor da estátua em bronze de Dom Afonso Henriques, o nosso fundador.
Beijo de Namoro, aquele que, embora possa parecer único e facilmente identificável, tem várias correntes ou vias de concretização. Para os românticos trata-se de um beijo de sedução, fascínio e entrega incondicional. Não tem condicionalismos que não sejam os que derivam da própria relação de entrega mútua. Porém, num cenário que envolva 2 pessoas cumpridoras de rituais, sejam eles religiosos ou de mero pudor, traduz-se num beijo casto, impoluto, sem troca de línguas ou demoras exageradas pela paixão. Existem variadíssimos tipos de beijos de namoro, todavia, aquele que se considera mais representativo, mais clássico no género, é o que é partilhado na paixão sensual e mútua de quem se pensa entregar cegamente na fusão eterna entre 2 seres, onde a pele sente o arrepio da espinha, o coração acelera batimentos sem motivo aparente, as secreções humedecem recantos na derme ardente e a vida parece, finalmente, ter encontrado a razão do seu perfeito existir.
Sábado, tal como o dia anterior, serviu para me tirarem sangue para análises, testarem o meu nível de glicémia, medirem a pressão, o ritmo cardíaco e a temperatura e para umas escapadelas até à entrada do hospital, de cadeira de rodas, pois que o equilíbrio era o de um hipopótamo na corda bamba, com o objetivo único de matar o vicio do tabaco. Pese embora o Governo advirta que fumar mata, não deixa de encher os bolsos com impostos à custa da minha morte que tão hipocritamente anuncia.
O Domingo começou bem, mas terminou com a já esperada dieta zero, neste dia designada por jejum. Lá me colocaram um papel plastificado por cima do leito com o aviso fatal, não fosse uma auxiliar distraída alimentar-me o ego ou o bandulho. Faço aqui um pequeno desvio da narrativa para elogiar a dedicação de todos os trabalhadores deste hospital. Fiquei impressionado pelo modo como se dedicavam, principalmente aos acamados sem a independência para tratarem de si, muito para além das normas de dever e obrigação. Houve uma pequena exceção, como em toda a regra… uma enfermeira, catraia demais, para saber e entender o que significa dignidade e respeito, mas a coitada nem conta, nesta incrível estatística hospitalar.
Segunda-Feira desci às profundezas do piso zero para a muito aguardada intervenção. Soube que seria o segundo daquele dia a ser intervencionado. Ia lindo, na cama, com uma bata branca, que pela frente parecia mais um vestido em minissaia e que pela parte de trás tinha um decote até aos calcanhares. Acordei da anestesia geral pouco depois de terem passado duas horas desde que partira do universo consciente da realidade para o sonho cirúrgico dos especialistas. Despertei a arrancar tudo, cateter, oxigénio, pulseira identificativa, soro, roupa da cama, eu sei lá. Parecia que fugia de alguém que apreciara o meu decote traseiro. Foi indescritível.
A enfermeira do bloco acalmou-me. Não sei bem se me recordou que o Passos Coelho já não era Primeiro Ministro, mas também não importa para o caso. Lá me contou como correra a minha operação. Ficara a meio. Achavam que tinham partido a pedra, mas sem certezas, nem tinham tido tempo de colocar o tubo para no canal biliar, nem revisto se eu estava livre da pedraria clandestina que me invadira. Espantado fiquei a saber que a peça da China, avariara de novo (talvez não fosse da China pensei eu, mas sim uma Peça do Chinês, com a devida qualidade que lhe deu fama). Enfim, teria de voltar dali a um mês. Lembrei-me de Fernando Pessa: E esta, hei???
Quinta-Feira entrei em dieta zero. Mas ao contrário da Coca-Cola, quer na cola "Diet" quer na Zero, não tive direito nem a algo com sabor a formigas que nos introduz água, corada e fervilhando bolinhas de gás plenamente carbonizado, pela goela abaixo. Não! Dieta zero em hospital é abstenção de comida e bebida com direito, por vezes, a soro intravenoso, mas isso apenas se tivermos sorte. Tudo por causa da operação não intrusiva, acompanhada por uma anestesia geral e cirurgião, opacamente apelidada de CPRE, que tem por objetivo partir-me o calhau, aquele libertino fugido da vesícula, e introduzir um tubo com vista a alargar o tal canal (o biliar), com luz verde para avançar no dia seguinte.
Fui informado que, quando da minha chegada, já existiam outros internados à espera do mesmo procedimento uma vez que a máquina usada para a operação tinha estado avariada e que, só agora, a peça, vinda da China, tinha sido colocada corrigindo a deficiência. Como os outros já tinham marcação ficara decidido que eu entraria numa aberta entre as marcações ou no final das mesmas se houvesse tempo. Alguém simpático me referiu que estes tipos de intervenções demoravam entre uma a duas horas e que era normal fazerem-se mais de meia dúzia por dia.
Fiquei aliviado, respirei fundo mais descomprimido e até passei melhor o dia de estômago vazio. Afinal aquilo era uma operação de rotina e a taxa de mortalidade estava reduzida a uns meros… um por cento. Banal, rotineiro, customizado, palavras que me soaram a balada romântica aos meus ouvidos magoados com os berros da minha própria voz nos dias antecedentes. A ajudar à festa, um outro paciente alojado no mesmo espaço que eu, o Bonifácio, mantinha a "caserna" em alta com um sentido de humor malandro, alegre e superpositivo. Para ele qualquer elemento esteticamente interessante do género feminino era apelidado de paisagem. Bem escolhido. E o piso três do Egas Moniz tinha, nesta altura, algumas que desafiavam largamente as maravilhas que vemos no canal da "Nacional Geographic".
Chegou a Sexta-Feira e, bem no final do dia, fui informado, com muito carinho, que a vaga não surgira e que podia parar a dieta zero e jantar já que a minha operação fora transferida para a Segunda-Feira seguinte, pela manhã. A fome era tal que, depois de comer, achei que a comida do hospital era bem melhor do que a confecionada por um "Chef" premiado. Adormeci a soro e de barriga cheia a sonhar com paisagens…
Morfina, morfina, morfina. Qual janado apaixonado por uma nova droga dei comigo na disposição de trair a minha velha e boa amiga Nicotina, pela deliciosa, refinada e recém-chegada Morfina. Com esta as dores pareciam paisagens no horizonte e a realidade um filme onde os dias se passavam em horas. Contudo o namoro foi breve, sumariamente resumido à espera provocada pela atuação dos outros fármacos, sendo ela arrancada dos meus braços pelos carinhosos, mas responsáveis vigilantes do meu estado de saúde.
Ainda sob o efeito da minha nova paixão, mas a vê-la desvanecer-se na bruma hospitalar, fui informado que tinha errado no cálculo (coisa que estranhei pois não fazia contas há dias). Não, não era nada disso. Com a paciência dos sábios lá me informaram que um calhau, que tinha residido clandestinamente na minha vesícula, se tinha posto em fuga, talvez com receio que eu lhe cobrasse renda ou solicitasse uma musculada ação de despejo. Porém, na pressa de fugir, o meliante acabara por ficar retido numa viela a que os sábios chamavam de canal biliar.
Soube mais tarde que a descoberta do vadio se ficou a dever a um jovem médico, que decidira não sair do seu turno sem por em pratos limpos o que era aquilo que só a ele parecia uma sombra, contrariando a palpação e douta opinião do experiente cirurgião de serviço, que nada sentira. À terceira ecografia finalmente a pedra foi localizada. Encravada e sem hipóteses de fuga num recanto do tal canal, o biliar (nada de confusões, por favor). Em resumo, depois de dois dias e meio de fuga, ficou claro que se impunha uma intervenção para remover o patife obstrutor. Abençoado seja o jovem teimoso que jejuou na senda da nobre demanda.
Tive de esperar pelo fim de quarta-feira e o início de quinta-feira para ser transferido para os serviços de gastroenterologia do hospital que guarda a memória do nosso Nobel da Medicina tomando-lhe o nome. Estou a falar do Hospital Egas Moniz. Seria uma nova viagem a efetuar, assim que vagasse uma cama no terceiro piso da instituição, onde estavam localizados os respetivos serviços, assoberbada de pacientes e carente de recursos. Só já na nova estadia, a cama 316 do Egas Moniz, é que o efeito da morfina passou por completo e eu regressei, qual migrante contrariado, à realidade e ao presente abandonando a bruma onde fora Senhor por dois dias e meio. Vou ter saudades. Foi no dia seguinte que me falaram da Peça, sim, a do chinês…