Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU!
Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite
Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU!
Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite
(Fuzeta, Branca Noiva do Mar – Ria Formosa - II - Foto de autor, direitos reservados)
Registos da Memória
II
Branca Noiva do Mar – Ria Formosa
No entardecer a Ria Formosa, na Fuzeta, inspira poetas, músicos, turistas, visitantes e as gentes da vila. A beleza surreal ganha contornes de majestosa, ao enquadrar o velho salva-vidas, disfarçando a falta de reboco e a necessidade de alguns retoques na pintura, que não poucos. Fazendo jus ao próprio nome, a Ria formosa, mistura-se na paisagem com a Branca Noiva do Mar, que se deixa banhar por ela com naturalidade.
É assim, com mais cuidado e urbanismo agora do que em tempos idos, mas a Branca Noiva continua singela, airosa e gaiteira como sempre foi. Nela passou férias Mário Soares, ou não fosse a Fuzeta a terra da esposa, Maria Barroso, até prometeu uma barra em condições aos pescadores, mas memória de político é como Alzheimer em cabeça de velhinho. Aqui cantou, na noite, Zeca Afonso, que sempre vinha com o chegar do verão. Por cá nasceram os Íris, a banda rock que cantava “Beija-me na boca e chama-me Tarzan” com a pronúncia marcante de um Algarve vivo.
A Branca Noiva do Mar e a sua eterna Dama de Honor, a Ria Formosa, são amigas de tempos imemoriais. Juntas construíram crepúsculos que inspiraram fotógrafos, banharam musas sobre as quais poetas escreveram poemas de juras e paixões, deram abrigo aos pescadores vindos da faina dura que é viver do mar. Se um dia o pôr-do-sol tem tons de platina, anil metalizado e sombras brancas ali, no casario, outro desponta, vinte e quatro horas depois carregado de laranjas, vermelhos e amarelos, lembrando um céu de fogo em dia de meninas de minissaia, todas aperaltadas, lembrando os moços que não nasceram para tias. Assim é a Fuzeta, a doce e Branca Noiva do Mar.
(Fuzeta, Branca Noiva do Mar – A Branca Noiva - I - Foto de autor, direitos reservados)
Registos da Memória
I
Branca Noiva do Mar – Fuzeta, a Branca Noiva
No Sotavento algarvio, entre Olhão e Tavira, a Fuzeta, qual foz do pequeno rio Êta, deveria ser antes escrita “Fozêta”, mas a tónica, no centro da palavra passou, em vez disso o “o” a “u” tornando desnecessário o acento circunflexo. Esta é uma pequena vila piscatória e de veraneio, que tem duas grafias no seu nome. Uma toponímia onde, ao que parece, é indiferente usar o “s” ou o “z”. Aliás, logo à entrada da localidade, junto à estação de caminhos de ferro, é anunciada como Fuseta e Fuzeta, em dois locais diferentes e muito próximos, sendo que, no meu entender, a mais correta deveria ser mesmo Fuzeta.
Ora a Fuzeta, devido a um casario maioritariamente branco e a um concurso anual de quadras populares, tem sido chamada de Branca Noiva do Mar. A terra chegou a ter 92% dos seus homens na pesca do bacalhau, nos mares do Norte. A razão era simples, os pescadores podiam optar por uma meia dúzia de anos pelos mares da Terra Nova ou por cumprirem o serviço militar obrigatório na guerra colonial, no ultramar. A Branca Noiva do Mar esperava assim, todos os anos que os seus homens regressassem da pesca, como as noivas, que esperavam pelos seus amores quando estes partiam para a guerra. Por causa disso, nunca nenhuma outra terra ou lugar, no mundo inteiro, teve tantos dos seus machos na faina marítima como a Fuzeta, essa terra banhada pela Ria Formosa.
Os homens começavam a regressar com o aproximar do verão, algures ainda durante a primavera e voltavam a partir no outono, sendo por isso o verão a época escolhida para realizar as festas dedicadas à Santa Padroeira da Fuzeta, Nossa Senhora do Carmo. O meu pai, que foi durante décadas o único médico da terra, andou meses no seu primeiro ano na localidade, a tentar descobrir porque é que as mulheres da vila tinham tantos problemas de coluna durante o outono e o inverno, um dia fez-se luz, é que, nesse tempo dos colchões de palha, as mulheres da Fuzeta dormiam no chão durante todo o outono e também no inverno, para manter as camas fofas e agradáveis a quando da chegada dos seus entes queridos, os valorosos e destemidos pescadores da Branca Noiva do Mar. Como nota de rodapé aproveito para esclarecer que o site “Ciberdúvidas” esclarece que a grafia da Branca Noiva é mesmo com z, por isso, Fuzeta.
(Braga Branca – Neva no Bairro - X - Foto de autor, direitos reservados)
Registos da Memória
X
Braga Branca – Neva no Bairro
A neve cai farta no bairro castanho claro onde habito naquele dia de Braga Branca. Um bairro que, reparo agora, é igual a si mesmo, bloco a bloco, edifício a edifício, nas vizinhas torres que o constituem. Parece amorfo. Agora que o vejo no contraste com a neve que brilha enquanto cai, concluo, pela monotonia dos edifícios que, na origem, aquele devia ser um por certo um bairro social, periférico até, que aos poucos foi sendo engolido pela cidade e se tornou mais caro pela proximidade das artérias que o levam ao coração de Braga e às saídas estratégicas da cidade.
Um bairro social pareceu-me bem. Para mim, então, é maravilhoso, pois que me considero um ser bastante social também. Depois de olhar bem há minha volta concluo que o arquiteto deve ter desenhado apenas um edifício e depois repetiu o modelo a duas cores, a de burro quando foge e a de burro quando anda, ou seja castanho claro e castanho ainda mais claro. Que trabalheira deve ter tido o inventor daquele espaço, pensei. Deve ser fastidioso distribuir, por uma área tão grande, prédios todos iguais, apenas a dois tons. Para sorte dos atuais residentes, na altura, deveriam estar na moda da solidariedade social os largos amplos, para os filhos dos sociais poderem brincar na rua.
Os largos deram lugar aos jardins, relativamente simples, mas bem cuidados, em volta foram feitos estacionamentos para quem não tem garagem e assim evoluiu aquela zona da cidade. Antigamente deviam existir até mais espaços livres, porém, agora, estavam ocupados por armazéns de um único piso, enormes, prontos para fazer escoar qualquer tipo de mercadoria para o Porto ou um qualquer outro destino. O meu pensamento regressa à neve que não para de cair. O asfalto da rua fica molhado, parecendo realçar o negro do alcatrão, a combinar com os troncos das árvores despidas de folhas, erguendo os troncos em preces celestiais que não se escutam. Neva no Bairro e eu sorri feliz.