Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU!
Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite
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427. Beijo Xeque-mate, é o beijo mais estratégico que existe. Foi pensado como um desafio. O paralelismo com o xadrez tem a ver precisamente com toda a inteligência, sagacidade, subtileza, finura, argúcia e estratégia necessária não para matar seja o que for, mas para conseguir chegar à dama e com ela partilhar um beijo consentido e, se tudo correr bem, também por ela desejado. O problema reside principalmente em fazer despertar o interesse da donzela no cavalheiro, que nela viu algo de especial, mas que não se sentiu correspondido. Se conseguido, este é um beijo de glória de um, claudicado agradavelmente pelo outro, dado com garra e conquistado com paixão, sem deixar alternativas que não as do próprio ato de beijar.
426. Beijo de Xarém, um beijo de praia. Regional como o prato que lhe dá o nome. Afinal resume-se em levar ao lume farinha de milho, azeite, toucinho, bivalves do mar, água, sal e um cheirinho de coentros. Só que aqui o lume é representado pela figura do Macho Latino do Algarve, bem no Sul da paisagem portuguesa, dos quais são exemplos "Trê-Bêces", "Zézé Camarinha" e "Carlos Dias". A farinha de milho interpreta o papel das areias das praias quentes da região, sendo que a água e o sal são sinónimos do mar que as banha e refrescam. O toucinho, pouco abundante na receita, ocupa o lugar dos machos de serviço. Os bivalves são a representação evidente da língua e do falo dos ilustres marialvas. O cheirinho a coentro caracteriza bem o ar naïf dos protagonistas e o azeite afigura o bronzeado e o cabelo penteado a gel dos atuantes. O beijo de xarém pode, se tomado à letra, ser, portanto, um beijo a recusar… mas, levado ao mais puro dos sentidos, nada mais é que um ingénuo, alegre, confiante e estival beijo de garanhão, num dia de calor, à beira mar.
425. Beijo de Xá, este é o autêntico beijo de nobreza árabe. Protagonizado numa atmosfera de aromas de incensos, por entre cortinas e véus de tule, seda, cetim e transparência. Transferindo sensualidade aos corpos, sagacidade e avidez à mente e à líbido. Executado em noites de Lua Cheia, na claridade de pequenas velas de luz difusa e amarela, enquanto, no ar, entoam os "mazāhar", os "marāwīs", os "buzuques", os "gambus", os "mazāwid", as "tanbūrads", os "rebabs" e as "zukras", criando melodias envolventes de elevado grau de concupiscência e de luxúria exuberante. Beijo de Xá, abraçando os sentidos, qual fumo difuso saído de um enorme cachimbo de água, num reino de fantasia onde a fêmea se sente beijada por um Omar Sharif, na flor da idade, com um olhar de poder que transpira sexo.
424. Beijo Wok, quente, muito quente, este é um beijo oriental por excelência. Não se pense que é apenas pela origem do nome, proveniente da tradicional e milenar panela chinesa em forma de meia esfera, de calote cortada. Ele detém também o equilíbrio e experiência e a devida paciência tradicional do Oriente. Um beijo wok é aquele que melhor concentra as energias de quem se beija focadas no respetivo ato, sem distrações, obrigando à rápida exaltação dos corpos uma vez que o calor que emana se espalha uniformemente pelos seus promotores. Quem beija wok fá-lo de olhos semicerrados, sentindo a ardência lhes invadindo o ser, a excitação em crescendo obrigando a dopamina a uma segregação sem par, até que, quase sem se saber como, o beijo conflui das bocas para um total laço de amor.
423. Beijo de Wagner, sempre agitado, para o visualizar imagine-se o compositor envolto nas suas inúmeras turbulências amorosas. Um homem que acabou pobre porque para ele o dinheiro não tinha significado ou importância. Um criador genial considerado um marco da música moderna. Depois, recordemos uma das suas óperas, "Tristão e Isolda", por exemplo, e eis que temos o quadro perfeito para um beijo de génio, arrebatado, poderoso, criativo, apaixonado e apaixonante, executado ao som de orquestras num palco feito de vida, de fervor e muito sonho. Beijo de Wagner um beijo marcante que nos põe a música na boca e a criatividade no paladar.
422. Beijo de Waffle, porque, antes de tudo mais, beijar é como fazer algo de doce. Se no waffle usamos farinhade trigo, ovos, leite, fermento, açúcar e manteiga, no beijo usamos a boca, os lábios, a língua, o sorrir, o sentir, o olhar e a pele, não para fazer uma bolacha, que se assa numa grelha, para depois a rechear com um outro doce, mas para criarmos um beijo que nos ateia a chama. Um beijo nos cruzamentos de fluidos que nos parecem mais doces do que outra qualquer iguaria, mais fofos do que qualquer massa, mais waffle do que qualquer waffle.
421. Beijo Vulgar, muitas vezes dúbio quanto à raiz das suas intenções. O termo vulgar é tanto usado para significar trivial como para designar ordinário, quase obsceno. Mas em qualquer das circunstâncias estamos perante um beijo menor, sem alma, sem essência, sem conteúdo. A sua importância apenas se encontra enquanto é praticado como compromisso ritual de cortesia ou de agradecimento superficial. Por outro lado, na frente selvagem deste beijo, encontramos não raramente o ímpeto porno de quem aprecia a carne pela carne, o sexo pelo sexo, numa imagem clara de predador e presa. Neste contexto o beijo vulgar só é verdadeiramente positivo se usado enquanto fetiche de uma tórrida noite de amor.
261. Beijo de Natal, aquele que nasce em tempo de paz e de harmonia, rodeado de sorrisos, risos e gargalhadas, numa época onde se dá e se recebe pelo prazer simples da troca franca de mimos a querer significar que essa pessoa nos importa no íntimo do que somos. Um beijo acompanhado quer pela música angélica dos sinos e dos órgãos, que parecem cantá-lo em plenos plumões, quer pelas luzes de mil velas vermelhas que ardem, ao lado de incensos doces que se impregnam no ambiente e o sensualizam tornando-o mais quente, mais suave e mais apetecido. Beijo de Natal, repartido entre dois seres, com a simplicidade das sedas e das luzes, que iluminam almas e estrelas num ato de fé, de prazer e de cumplicidade, que o feio torna bonito, o bonito sensual e o sensual, perfeito.
420. Beijo de Vulcão, pela beleza incomparável de um vulcão em chamas. Emitindo lava rubra, buliçosa, espessa e escorregadia, num movimento lento que, aos poucos, vai ganhando terreno e formas. Um beijar de erupção divina de músicas cantadas por rouxinóis, na explosão primaveril da vida, que nos inflama a imaginação por entre os odores de orquídeas raras. Já o ambiente parece ornado com o toque sensual das sedas da longínqua China ou com o gosto ao néctar dos deuses romanos, de eras passadas, ainda no palato. Um beijo que lembra as orgias desnudas de preconceitos. Beijo vulcanizado pela avidez do momento, tomado por impulso e entregue com chama.
419. Beijo Voraz, pelos brasileiros designado de beijo metralhadora, porque é composto por uma sucessão de ósculos por todo o corpo da "vítima". É um beijo de preliminares, de aquecimento dos corpos, encontrado com facilidade nas margens de um erotismo que anseia sexo, que demonstra fome de prazer, mas que não se apressa na demanda pelo mesmo. Aninha-se pelos recantos sombrios e tépidos da derme, busca o toque, snifa avidamente as fragrâncias hormonais em convulsão e sonha sedento com o primeiro lugar do pódio.