VI
"EU ESPERO"
Penso sozinho, eu sei,
Na solidão...
E o silêncio, nas sombras,
Não me ajuda...
Apenas faz crescer
Minha paixão...
Apenas me corrói
E me tortura
Em processos de mágoas
E loucura!...
E como se agrava a minha dor...
Em mil momentos de pavor...
Pois quanto mais eu penso,
Mais eu sei,
O quanto me dói
E me magoa,
Ter na solidão a voz amiga
Ou um riso cínico de intriga!...
Onde estará o meu amor?
Será que me deseja
Ou que me insulta?
E pensará em mim
A flor oculta?
Porque será que amar
Também é dor...?
Talvez se sinta só,
Para além das estrelas,
Através de imaginária ponte...
Através da linha do horizonte
Vem com as ondas do mar,
Vem para amar...
Espuma de raiva incontida
De querer e me não ter,
Mas de ser vida...
Mas de ser Ser...
Ela sabe, ao certo,
Que a desejo...
Me conhece bem
Em cada beijo...
Ai! Como posso eu
Viver sem ela...?
Eu quero o meu amor aqui,
Comigo...
Brilhando com o brilho
De uma estrela!...
Sinto algures alguém...
Sinto um respirar na escuridão...
E sinto mesmo
Sem sentir ninguém
Porque oiço bater um coração,
No silêncio dos limbos
Que não vejo,
No escuro vagabundo
Onde desejo,
Qual Haragano,
Um Etéreo ser,
Sem forma definida...
Eu a verei até,
Talvez, quem sabe,
Um outro Inverno...
E esperarei de pé,
Mesmo que a força acabe,
Na calote cristalina, glaciar,
No frio gelado de tão externo...
Se tiver de aguardar...
Aguardarei...
Aguardarei por meu amor eterno!...
Como um raio de Sol ela será...
Tão radiante
O gelo fundirá...
Nada esconderá o seu semblante!...
Viajar pela noite viajarei...
Guiando-me pela luz sem ter sinais...
A luz do seu amor, do meu amor,
A luz dos nossos ideais!...
E agora, por fim, nada mais digo...
Sei... sou... desejo... quero...
Eu sei meu amor o que consigo:
"-Amor acredita... Amor... eu espero!..."
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos da Flor
(Gil Saraiva)
IV
"ETERNA ROCHA"
A flor do jardim olhou para mim...
Eu, um Vagabundo Dos Limbos,
Da net; Senhor da Bruma, da noite;
Haragano, O Etéreo...
Lenda urbana de quem nunca
Ninguém ouviu falar...
Passava perto, a caminho da vida,
E a flor do jardim olhou para mim...
As pétalas penteadas pela brisa,
O tronco hirto e firme pela certeza,
As folhas como braços abertos
Em minha direção...
"- É contigo que eu quero partilhar
A minha essência...
Aqui, numa cama de pétalas,
Sob um céu de luar...
Vem! Terás contigo o perfume da noite,
O sorriso das estrelas,
A plácida tranquilidade da Serra
Perante a eterna vigília da Lua...
Vem! Ocupa o meu jardim, sê meu Senhor,
O Senhor da Serra da Lua,
Dono do meu amar, do meu amor..."
Olhei a flor do jardim...
Ainda suspirava na ansia da resposta...
Olhei a flor, ali, ao sol exposta,
Branca e pura como a pura neve,
Silvestre e livre como a liberdade,
Doce e bela como a natureza...
Sorri... Oh como eu sorri...
Sorri de orgulho daquele olhar florido
Em mim poisado,
De vaidade infinita por me sentir
O desejo profundo de uma flor
E respondi:
"- Flor, eu sou um Vagabundo Dos Limbos,
Da net; Senhor da Bruma, da noite;
Haragano, O Etéreo,
Lenda urbana de quem nunca
Ninguém ouviu falar,
Buscava perdido o caminho da vida,
Em confusão, e... afinal...
Tudo é tão mais simples...
Serei teu e serás minha
Se o orvalho da madrugada
Eu poder ser em tua sede,
Alimentando-te a raiz e o existir...
Serei, enfim, o solo onde te firmas,
Servo da terra onde és jardim...
Não te quero eu perder,
Dá-me o teu etéreo existir
Na eternidade,
Transmuta-me na Serra da Lua...
Que a minha voz seja agora
A do vento que sopra de Ocidente,
A saliva o mar
Que desagua no meu corpo
E meus passos as pegadas do futuro
Que um qualquer dinossauro
Marcou na eterna rocha..."
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos da Flor
(Gil Saraiva)
III
"BIUNIVOCAMENTE..."
Tu és o aroma
Que meus passos
Adoram percorrer,
O sorriso que ilumina
O fundo da minha alma,
A vida pela qual
Eu acabo por descobrir
Que tudo valeu a pena...
Mais do que a flor
És a essência,
A coerência,
A relação adequada
Entre o sentir
Que te transmito
Pelo conhecimento do que és
E o amor que me difundes
No cerne desse mundo
Que te constitui...
A essência...
A verdade...
A pureza dos princípios,
A lógica ordenada
De nossos olhares,
A ordem afrodisíaca
De uma linguagem mista,
Linguisticamente pura,
Absolutamente articulada,
Interativa...
Onde o discurso de incoerente
Desagua em ideias
Plenas de subjetividade,
De nuances incompreensíveis,
Em que tudo se resume
Àquilo que o coração
Chama de Amor...
Tu és o aroma,
O texto sagrado
De uma religião paranormal
Porque transcendente da razão...
Tu és o acontecimento,
A situação e mais ainda,
A equívoca equação
Que não se anula
Mas se traduz no íntimo
Deste teu interlocutor...
A falta de univocidade
Pode transformar nossas palavras
Num lugar indefinido
Que nenhum de nós
Consegue controlar...
Mas controlar para quê?
Importa sim sentir...
Sim... sentir...
O aroma
Que meus passos adoram percorrer,
O discurso de ideias
Plenas de subjetividade,
O texto sagrado
De uma religião paranormal,
A equívoca equação
Que não se anula,
O lugar indefinido,
Sem norma, sem razão,
Sem leis, sem regras,
Em que biunivocamente
Nos amamos!...
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos Da Flor
(Gil Saraiva)
II
"ABAIXO-ASSINADO"
Pelo sorriso
Dos teus olhos...
Pelo prazer
Dos teus lábios...
Pela suavidade
Da tua pele...
Pelo odor
Do teu ser...
Pela felicidade
Da tua presença...
Pelo amor mais profundo...
Eu,
Abaixo-assinado,
Declaro que te amo,
Com toda a força
Dos elementos
E com o poder
Do universo
Que me constitui,
Para sempre!...
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos Da Flor
(Gil Saraiva)
NOS CAMINHOS DA FLOR
I
"A PALAVRA"
O bar ao fundo...
O motivo era a espera,
Uma espera com fim anunciado:
Ela não devia demorar!
Na sala cheia ninguém dava por mim,
Naquele canto destinado
A ilustres desconhecidos,
Como eu, aliás...
A multidão falava de quotidiano,
Falava de tudo,
Mesmo sem muito conseguir acrescentar...
Na minha mente
Uma só palavra parecia bailar
Entre a ponta da língua
E a garganta seca da cerveja
Já extinta no copo da imperial,
Havia algum tempo...
O bar ao fundo...
Uma só palavra...
E ela que tardava...
Pela milionésima primeira vez
Consultei o relógio,
Era verdade:
Os segundos continuavam a passar
No ritmo incontrolável
Do Tempo...
Levantei o olhar...
Ela sorriu para mim
Uma vez mais,
Como mil e uma vezes o fizera
Anteriormente...
E a palavra ganhou forma de novo,
E o Tempo parou,
E o bar pareceu vazio,
E a garganta húmida
Ganhou voz e lançou a palavra,
Pela milionésima segunda vez,
Pela ponta da língua:
Amo-te!
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos Da Flor
(Gil Saraiva)
XVI
"UM POEMA"
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Se for ouvido é música divina,
É arte,
É voz...
Mas se na valeta
Do esquecimento
Ele cair
Então
O poeta morreu uma vez mais,
Mas não sem antes sofrer muito
Para além do suportável
Pelo comum dos mortais...
Quantos de nós,
Muito além desse sentido,
A que chamamos de audição,
Escutamos realmente o grito mudo?
Quantos de nós ouvimos
No marasmo do nosso cotidiano
Um só poema?
"-Depende..."
Dirão os mais sensíveis...
"-Eu acho que sim!"
Afirmarão os convencidos
Pelas lições que a vida
Lhes foi dando...
"-Eu escuto..."
Dirás tu
Com medo da tua própria voz...
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
XV
"UM COPO"
Um copo de cerveja e um cigarro...
E a música apalpando toda a gente...
Um copo de cerveja e um cigarro...
E gente sentindo o corpo quente...
Um corpo que deseja e mais um charro...
E o álcool subindo calmamente...
Um corpo que deseja e mais um charro...
E outro corpo aquecendo lentamente...
Um litro se despeja zarpa o carro...
E o leito se aproxima ardentemente...
Um litro se despeja, zarpa o carro...
E zarpa o sangue no corpo da gente...
Um fogo que se inveja, coze o barro
E unindo dois corpos fortemente:
É movimento, ritmo, ternura,
É febre, suspiros e loucura;
É infinito num tempo finito,
No segundo louco da expansão...
Um grito se solta e é bizarro...
É suor, saliva e sucos de emoção...
Um grito se solta, coze o barro
No exato momento da fusão!...
É já... ainda não... e mais... agora!...
É vem... amor... é dia dos sentidos,
É noite, ardor, é dentro e fora,
É grito que se quebra em mil gemidos!...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
XIV
"TOCA-ME..."
Quando aquela mão
Se estende decidida e sensual,
Num caminho seguro,
Até tocar suave
Um membro adormecido,
Despertamos nós...
Desperta o príncipe
Com coaxares de sapo,
Porque a magia
Se fez vida
E gozo último...
Quantos de nós, homens,
Antropófagos do sentir,
Não atingimos o céu
Antes do tempo
E tudo por um toque apenas?
Ahhhhhh...
Isto é vida!
Nada se compara
Ao arrepio da derme
Perante um deslizar
De dedos ao acaso.
Nada é mais intenso
Do que sentirmos a mão,
A nossa mão,
Navegar serena,
Pela derme de outro alguém,
Procurando o calor ameno
De um Trópico de Câncer
Ou Capricórnio...
Pra mergulhar ardente
Num vulcão de amor
E nos fazer arder
Sem febre alguma
Que não aquela
A que chamamos de paixão...
Partir do que é geral
Para o mais específico,
Intimo, privado e particular...
Sentir a preocupação das formas,
Das cores, do brilho,
Do estado hipnótico de um toque,
Em impressões tácteis
De impensáveis sensações
De loucura frenética e absoluta...
Depois...
Procurar uma ordenação táctil
Dos elementos do percurso
E projetá-los em cenas
De luxuria conseguida e integral...
Por fim...
Gritar em êxtase:
Toca-me de novo meu amor!!!
A Mulher,
Mais do que ser humano,
É arte viva,
Sente
Como nenhum outro espécime
À face do planeta...
E faz sentir...
Chegamos ao infinito
Num só toque...
E de lá voltamos para podermos,
Também nós,
Tocar e atingir assim
O despertar de uma aurora
Que nasce pura de êxtase
E plena de prazer!...
A Mulher
Faz uivar bem lá no fundo
Aquele ser esquecido,
De ser gente,
De ler vida,
De ter voz...
E provoca do intimo
A alma ansiosa de sentir,
Perdida de sentido,
De momento,
Já faz muito e muito tempo,
Para gritar, por fim,
Em pleno êxtase:
Toca-me de novo meu amor!!!
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
XIII
"SEXTO SENTIDO"
Se eu fosse um mouro,
Em seu castelo erguido
Na Serra que da Lua
Tem o nome e o sentir,
Gritando, lá do alto,
Sortilégios esotéricos
Ao povo Luso que a Serra invade,
Com sede de terra e de poder,
Para esse espaço a sangue,
Ferro e fogo conquistar...
Se eu fosse um nigromante,
Feiticeiro da Serra da Lua,
Qual mago que um tambor
Rufando enche de glória,
Senhor de Áfricas
Sem fim ou sem princípio,
Soberano dos vivos
E dos mortos evocados,
Dono da negra magia do Passado,
Podendo, com meus dons,
Fazer parar as leis da guerra,
Que os continentes
De todo enfeitiçaram...
Se eu fosse o vento
Que mais forte sopra,
No altivo castelo da mourama,
Na noite tempestiva de invernos
Perdidos entre lareiras
Que as memórias não consomem,
Por mais alto
Que arda a chama,
Por mais calor
Que a lenha produza...
Imperador de tufões,
De vendavais,
Rei do sopro
Que não se esgota nunca,
Por muito que me venha zumbir
Dentro da alma,
Sussurrando-me aos ouvidos
Desesperos de infinito,
Que parecem competir
Com a velha eternidade...
Se eu fosse a dança,
Que dança e não balança,
Em sete véus mágicos de moura,
Em movimentos de ondulante ritmo,
Marcado em cada passo,
Em que a forma acompanha o som,
Como se a perfeição
Estética da vida
Pudesse traduzir a festa
Da evidente humanidade
Ou a música da alegria da vitória,
Um grito mudo de gozo e de prazer,
Que ao Homem faz viver
E reviver no espaço e tempo,
Qual passo de baile
A celebrar eventos mil
Mais do que outros já havidos...
Se eu fosse a bela Primavera,
Terna de ambientes,
Florida nos caminhos,
Altiva no serrado,
Nesse Castelo dos Mouros
Amada a cada volta,
A cada curva,
Destemida e sem receio
De um dia perder a liberdade...
Enfim, uma estação solidária,
Realizada de viva esperança,
Cega de perfumes e odores
Em cada berro de vida
Que me cerca e me transborda...
Se eu fosse, por fim,
A Fortaleza Árabe,
Em Sintra altiva e imponente,
Ou simples mato,
Uma terra de medos,
Mistérios e surpresas,
Fonte de vida,
Abrigo de animais,
Floresta tropical,
Savana, bosque,
Ou ainda até,
E porque não,
Selva africana
Ou charneca em flor...
Se eu fosse tudo isto
E muito mais,
Diria,
Como direi agora,
A mesma coisa simples
E pequena:
"- Guarda só pra ti
Os meus segredos,
Meu amor,
E vive para que eu possa viver,
Pleno de ti,
Que sem ti nada é poder!...
Espera-me nesta vida
E na outra se a houver,
Com os teus braços abertos
Por carinhos,
Enfeitada de sedas e perfumes,
Cetins, veludos
E linhos de encantar
Ou nua apenas,
Qual odalisca que sem esforço
Conquista o temível sultão...
Mas mais que tudo
Ama o vagabundo dos limbos,
Ama Haragano, O Etéreo,
Este eu, cujo discurso
Se perde nas palavras,
Mas que este coração a ti doou,
Porque tu és
O meu sexto sentido!"
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
XII
"QUEM..."
Quem
Tem na esperança
O sussurrar cálido das marés?
Quem
Encontra no próprio reflexo a alegria
De vivo se sentir com confiança?
Quem
Procura sempre o impossível
Sem temer ou mesmo desistir...?
Quem
Sente o nascer do Sol
No crepúsculo insustentável da madrugada?
Quem
Reconhece ser seu o Vagabundo
Perdido nos Limbos pela busca?
Quem
Vê o Haragano na bruma
E lhe reconhece os traços do Éter?
Um só alguém!...
E esse quem
Não tem o que temer,
Por que tremer,
Pois brilha mais alto,
Mais forte e mais além...!
E luta, como luta mais ninguém,
Mesmo na mais temível escuridão,
Acabando por encontrar, por conquistar,
E por sorrir, enfim, ao ver no espelho
A imagem refletora de um futuro
Que em cada segundo se torna presente...!
Que em cada “impresente” renasce em saudade!...
Assim...
Todos saberão conhecer o tal de quem,
Que no sussurrar ameno das marés,
Completará um próximo devir,
Com a forma simples de um sorrir...
Mas será realmente que esse quem,
Com a “imatemática” clareza dos sentidos,
Sente, o amor, sem incerteza?
Mesmo sem temer ou desistir?
Talvez...
Quantos ou quantas acharão sinais
E por engano se julgarão escolhidos?
Só quem acreditar que jamais
A ilógica absurda, de um tão grande amor,
Poderia servir de engodo vil
Ganhará a glória terminal!
E esse alguém terá...
No sussurrar cálido das marés,
Na alegria de vivo se sentir,
Na procura impossível sem temer,
No crepúsculo insustentável da madrugada,
No brilho mais alto, mais forte, mais além,
Na busca perdida pelos Limbos,
E na mais temível escuridão,
A taça da vitória conquistada,
A certeza de saber que o quem
É ele ou ela e mais ninguém!
Para mim,
Apenas importa esse meu quem!
E espero meu amor, querida, meu bem,
Que a taça seja eu e ela tua,
Tal como o infinito é mais além,
Tal como da Terra satélite é a Lua...
E só assim,
Por fim,
Na forma de um sorriso, feito belo,
O meu quem se refletirá da cara nua,
Por provir simples, franco, singelo,
Desse amado rosto, dessa face tua!
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)