XXVI
"ARDO"
A dor que dói assim qual fogo ardente,
Que nos consome em chamas mil, devora
A pouco e pouco a alma, e se demora
Nos consumindo o ser, o sermos gente...
A dor que dói assim me faz demente,
Qual tocha humana que arde a toda a hora...
E em labaredas choro meu ser agora,
Lágrimas inflamadas em torrente...
Eu choro a dor que dói, a dor profunda,
De te perder de mim, de ficar só,
Mas estas chamas fazem mais que dó,
Me tornam a existência vagabunda!
Qual tocha humana eu ardo sem momento,
Que a dor que dói assim não leva o vento...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXV
“A VIDA…”
Por entre o vento e frio da terra agreste,
Por entre a chuva agora copiosa,
Vendo nuvens de forma volumosa
Vindas do cardinal de noroeste,
Vejo surgir o Sol no brilho infindo
Da figura que chega, mais formosa
Do que uma Primavera gloriosa,
Que pelo mês devia já ter vindo…
És tu que chegas perto, meu amor,
Com o Sol nos cabelos trazes luz,
Com um brilho dos olhos que seduz
Até a terra fria e sem calor…
Obrigando o Inverno à despedida,
Vem! Qual Verão tropical tu és a vida…
Haragano, o Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXIV
"ADEUS MÃE"
São as chagas de Cristo em cada palma,
Flagelos mais de mil, aqui... além...
São lágrimas de fogo em noite calma,
Soluços que o meu peito não contém...
São farrapos dispersos da minha alma,
Recordações, saudades, sei lá bem!...
São como as roxas malhas de uma talma
Que parece sofrer por minha mãe...
São sombras de mistério... vago fumo...
Folhas seguindo o vento neste Outono!...
Folhas de quem vou eu seguir o rumo
Rolando pelo chão... Terminal sono!...
Mãe choro o teu sorriso, coisa pouca,
A falta dos teus braços, dessa boca...
Haragano, o Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXIII
“ROSA DO RIO”
Um dia, numa noite, sem esperar,
Ai, a mais bela flor, eu encontrei…
Como uma rosa, digna só de um rei,
Era como veludo ao desfolhar
Sem, no entanto, preciso ser tocar…
Gotas de orvalho nela vislumbrei,
Com um brilho que descrever não sei,
E que então me fizeram deslumbrar…
Mas rosa a flor não era propriamente,
Descia à beira rio, sem ter raiz,
Doava luz ao rio de tão feliz
Procurando aventura na corrente…
Era uma flor livre, era um sentimento,
Flor radical, pintura de um momento….
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXII
“PAISAGEM...”
Mais uma vez o olhar bebeu paisagem,
Esse meu pobre olhar, desgovernado,
Viu searas de trigo tão doirado
Que luz davam aos verdes, qual miragem,
De que dois olhos de água eram imagem…
Mais uma vez fiquei, ali, parado…
E, a custo, de meus dedos fiz arado
E com eles lavrei uma massagem
Por vales e encostas, com ternura,
Em momentos roubados ao prazer,
Por deles, por direito, não os ter,
Sorrindo no secreto da loucura…
E a paisagem surgiu alva e perfeita
Dos cumes onde o vento se deleita…
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXI
"Vida"
Pegar numa palavra sem sentido,
Fazer dela poesia, forma, rosto,
Torná-la expressão ou algo imposto
E dar-lhe a melodia, o ar vivido
Das outras com passado já perdido...
Conotar com prazer ou com desgosto
Essa palavra nova, ainda em mosto,
E dar-lhe um coração vivo, garrido...
Fazer dela senhora... mais: Rainha!...
Palavra das palavras, a maior!
Vida: Pode ser uma adivinha,
Um sonho, um riso, um grito ou um condor...
Seja o que for, Vida é sempre minha:
Amada, vida, dor... ou meu amor...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XX
"VERMELHA TEMPESTADE"
Querer... Já diz quem sabe que é poder;
Poder... Já diz quem tem que é divinal,
Divino... Diz quem sente que, afinal,
Amar é mais profundo... e mais que ter
Qualquer uma outra força pra viver...
Amar... um todo é!... Fundamental...
Amar - A luz mais forte: Capital
De quem pode o caminho escolher!...
Querer... poder... viver... Oh! Mas amar...
Nada é tão forte, quanta intensidade:
É como sentir vermelha tempestade
Nos invadindo a alma e o olhar;
É como ter na mão o infinito;
É querer, poder, viver, em um só grito!
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XIX
"TUDO E NADA"
Amor, num golpe, é espada e cativeiro;
Amor é chave, é vinha e é guarida;
Amor é já, também, a nova vida;
Amor é universo e é celeiro;
Amor é flor exposta num canteiro:
Orquídea, rosa, cravo ou margarida?
Não importa saber qual a mais q'rida,
Se em lapela ao amor tomam o cheiro...
Amor é coração, amor é dor,
É ter; é ser; é estar; é acordar;
Amor é o primeiro beijo dar;
Amor é quando ao vê-la tem calor
Perdida face agora enamorada...
Amor é sempre tudo; é sempre nada!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XVIII
"TU E EU"
Unidos, tu e eu, por nosso amor,
Por esse doce amor que em nós nasceu,
E, muito superior ao de Romeu
Ou ao da bela dama Leonor;
Amor mais forte que o Adamastor...
E que ninguém se atreva, nem Morfeu,
Nem Júpiter, nem Vénus, nem Orfeu,
A tentar pôr fim ao seu vigor.
Tu e eu, no amor que nos juntou,
No amor que jamais nos separou,
Os deuses venceremos, pois unidos:
Somos mais fortes do que o forte Marte,
Mais amorosos do que mil Cupidos,
Mais belos e perfeitos do que a Arte!
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XVII
"TU"
Tens nessa voz o timbre de outros hinos;
Tens nesse corpo a carne apetitosa;
Tens nessa pele a seda mais sedosa;
Tens belos os teus olhos cristalinos;
Tens brilho nos cabelos leves, finos;
Tens nos lábios o rosa de uma rosa;
Tens nos nervos a fibra corajosa;
Tens tu, no sangue, a raça dos latinos!...
Tens tudo o que te deu a natureza...
E nada mais de bom podia dar:
Dedicação e calma... mais: sonhar;
Carinho, inteligência, amor, beleza...
Só peço a Deus, por tudo o que ele quiser,
Que me faça teu homem... ó mulher!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)