A Peça do Chinês - I Ato
CRÓNICAS DE UM VAGABUNDO
EPISÓDIO 110
Parte I
A PEÇA DO CHINÊS - O ANTES…
Corria a véspera dos idos de dezembro de 2016, segundo o antigo calendário romano, pelas 20 horas, mais coisa, menos coisa, e eu, sentado placidamente no sofá, fazia o balanço dos últimos dias.
Iria no dia seguinte à cirurgia plástica na Clínica Ibérico Nogueira (uma visita quase de rotina para remover uma dúzia e meia de pontos do rosto junto aos glóbulos oculares, fruto duma intervenção efetuada cinco dias antes, onde me livrara de três monstruosos quistos, que me desfiguravam o fácies ameaçando seriamente um dos meus nervos óticos). Sorri, lá pelo facto de me julgar poeta não me estava a ver de pala no olho, qual Camões dos tempos modernos, menos inspirado talvez, mas igualmente convicto de possuir alguma sensibilidade no que ao dom da escrita diz respeito.
O médico, de quem a clínica herdara o nome, tinha sido supereficiente, o que abonava a favor da fama que dele se apregoa no meio, mas, mais ainda, a favor da minha amiga que simpaticamente mo tinha indicado.
Enfim, aos 55 anos não me podia queixar em demasia. Já tinha passado por alguns episódios de saúde menos felizes, mas saíra sempre deles airosamente e sem grandes consequências para o futuro.
Olhei para o relógio à direita do sofá e dei-me conta que era tempo de tratar dos "comes". Seria um jantar frugal, uma coisa simples pois a fome não abundava nessa segunda-feira calma e pachorrenta. Avancei para a cozinha e iniciei as tarefas a que me tinha proposto. Ouvi o bater das 21 horas já eu ia nos "finalmentes" da preparação da janta. Uns bifinhos de frango, que eu próprio fatiara, temperados com muito alho, picante, vinho branco corrente, algumas gotas de limão e uma mistura de ervas onde o manjericão e os coentros predominavam, acompanhados por umas batatinhas cozidas em água e sal, a ser regadas por um claro e fluido molho de manteiga. Eis senão quando o inesperado aconteceu…
Gil Saraiva