Registos da Memória - IX - Braga Branca - Vermelho e Branco
(Braga Branca – Vermelho e Branco - IX - Foto de autor, direitos reservados)
Registos da Memória
IX
Braga Branca – Vermelho e Branco
A marca vermelha na paisagem só podia ser artificial. Do outro lado do jardim, naquele dia 9 de janeiro de 2009, em Braga, quando a neve pintava anormalmente tudo de um branco uniforme, aquele ponto vermelho não parecia natural. Segui, pelo caminho de pedras escuras e acastanhadas, até ao lado oposto do jardim. Uma vez aí o ponto tornou-se nítido e perfeitamente identificável. Um vermelho imaculado mostrava a traseira de um automóvel com a nitidez geométrica do designe de marca.
Não se viam vidros nem tejadilho, toda essa superfície recebera a neve como um tapete alvo e brilhante, como que a desejar realçar o rubro da chapa da viatura. O prateado da marca era, aquela distância, perfeitamente visível, bem como o conjunto simétrico dos faróis traseiros. Todavia, o grande destaque era aquela traseira vermelha, gritando vida, embora a viatura descansasse inerte no estacionamento. O vermelho e branco combinavam em harmonia perfeita. Obra humana e natureza, sobrepostas em camadas, como se de um bolo se tratasse.
Esteticamente o conjunto era simultaneamente bonito e perfeito. Havia outras viaturas que se viam paradas no jardim, porém, aquela era a única com a visibilidade do fogo em dia de gelo. As outras escondiam-se amorfas na neve, como que envergonhadas perante o destaque vibrante daquele vermelho e branco. Sorri, ainda fiz um comentário em voz alta para o meu ego. Só aquela paisagem surreal para me pôr a namorar a traseira de uma viatura cujo símbolo, embora conhecido, nem a marca do fabricante me fazia lembrar. Se ao menos eu tivesse reparado na traseira de uma dama, vestida de vermelho caminhando por entre o branco da neve…
Gil Saraiva