Desabafos de um Vagabundo: A Inspiração de Isa Nascimento
A INSPIRAÇÃO DE
ISA NASCIMENTO
Os Desabafos de um Vagabundo têm na sua essência uma coisa excelente: Não estão sujeitos a tema. Para além disso, também não obedecem a formas, conteúdos ou algo que não venha da mais pura inspiração do momento. Mais uma vez, e para que não se pense que só elogio, ou quase, a poetisa Isa Nascimento, passo para este espaço a última critica que escrevi a propósito de um poema de Isa chamado “Inspiração”. (O poema pode ser visto e lido no blog em: https://isanascimento.blogs.sapo.pt/inspiracao-109612). A poetisa dá nos seus versos uma definição de inspiração com a qual eu não encontro concordância.
Passemos ao poema da autora, depois à imagem com que ilustra o mesmo, também de sua autoria e finalmente poderão ler a minha análise.
“Inspiração
A inspiração é um assomo
Uma larva que trepa pelo corpo acima
Tomando conta num ímpeto
Assumindo o controlo
Até brotar numa qualquer criação
A inspiração é um alento
Uma força motriz que te impele à força
Levando-te para sítios que desconhecias
Fazendo sair das tuas mãos
Algo que nem sabias que existia
A inspiração é um oásis
Uma fugaz miragem que rápido se desfaz
Tão rápido que já lá vai
Às vezes sem um ato criador
Um traço, uma palavra
Um grito ou uma gargalhada
Sem nada deixar para trás
A inspiração é uma joia
Rara e preciosa
Tem dias que brilha transbordante
Noutros uma mera utopia
Julho de 2021 – Isa Nascimento” (foto de Isa Nascimento)
Comentar ou não comentar? Heis a questão.
Comentar, pois a minha amiga Isa prefere que eu comente. Contudo, de que vale um comentário? Nunca sei muito bem. Se é um elogio afaga o ego de quem lê, mas sendo, no meu entender, tem de ser sincero, pois inversamente não passa de pura hipocrisia. Se é uma crítica... bem, vale o que vale, quer dizer que se fosse feito por nós seria diferente. Nem sequer significa que é mau, mesmo que o achemos péssimo. Afinal, essa é apenas a opinião de quem lê e de apenas de um leitor.
No caso de hoje senti-me exatamente quando, por engano, vejo um filme com cenas de operações passadas na mesa do bloco operatório: fico nervoso, irritadiço e muito apreensivo. É evidente que quando pensei em "Inspiração" não me passou sequer pela cabeça o ato de respirar, mas mais valia que tivesse passado. Todavia, transportei-me para o meu estro e dai, quase de imediato, para o estro do meu plectro. Foi nesta viagem e associação que o choque se tornou profundo. Eu explico:
1) "assomo" é uma palavra que significa aparecimento, é verdade, mas normalmente um surgimento negativo, quase que irritado e normalmente carregado de desconfiança. Ligá-lo à inspiração colocou-me de imediato em alerta.
2) "Uma larva que trepa pelo corpo acima". Jesus, Maria José! (diria a minha mãe, querendo apenas dizer "Credo!"). Odeio lagartas, mas larvas, então, fazem parte do meu imaginário de cenas que sempre envolvem momentos terror.
3) "Uma força motriz que te impele à força", Foi o mesmo que tivesse lido «uma força motriz que me impele à forca», Nunca senti que a inspiração, a minha, está claro, me obrigasse a fosse o que fosse, ainda por cima contra vontade, e isso, colocou-me, uma vez mais, em luta com o poema.
4) "A inspiração é um oásis
Uma fugaz miragem que rápido se desfaz
Tão rápido que já lá vai
Às vezes sem um ato criador
Um traço, uma palavra
Um grito ou uma gargalhada
Sem nada deixar para trás" (excerto do poema de Isa Nascimento)
Sobre a presente estrofe só me apetece dizer: só se for a sua, menina Isa, porque a minha inspiração, quando vem, pode até ser um oásis, mas dos reais, sem miragens, pelo que não desaparece sem que o ato criativo seja nato. É impossível concebê-la e pensar que possa não deixar nada para trás.
5) "utopia", o fecho não é mais carinhoso que o começo. Utopia? Como utopia? Se é inspiração produz sempre um ato criativo, nem que eu seja o único a gostar dele, e por criativo eu quero dizer rico de conteúdo e significado. O meu estro não tem nada de utópico mesmo que imagine uma utopia.
Em resumo, minha querida amiga Isa, aqui no entender deste leitor faltou inspiração para falar na dita cuja. Apesar de tudo, se acha que não tenho razão, provavelmente está certa e eu errado, só que, mesmo que assim seja, mantenho a minha opinião.
Gil Saraiva