Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU!
Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite
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Brasil - Pipa – IV – Pousada da Praia do Amor (Foto de autor, direitos reservados)
Registos da Memória
IV
Brasil – Pipa
Pousada da Praia do Amor
A pequena tabuleta de madeira, por entre uma multidão de flores, anuncia o que me espera, com a simplicidade discreta de quatro palavras, por entre o verde e os fróis, numa imagem que reflete um conceito perdido pelo rebuliço urbano da Lisboa, que deixei para trás tem alguns dias. Inversamente, ali tudo convida à descontração e ao mais puro e antigo sentimento cantado por poetizas e poetas desde os primórdios até aos nossos dias, ou seja, tudo se conjuga para o amor.
Não é difícil pensar-se em amor quando o vemos escrito numa tabuleta, associado a pousada, um local onde a existência de um leito é evidente por definição e em que, ainda por cima, se evoca também a proximidade de uma praia, que se sonha idílica, pelo nome explicito e tão pouco enganador. Férias é isto mesmo, poder sonhar com aqueles instantes que mais tarde trazemos arquivados no coração, pela pureza dos momentos, pelo significado e justificação que dão à vida.
131. Beijo Familiar, aquele que os casais, que conhecem mesmo o amor, dão entre si. Aquele que o avô dá ao netinho ou que a mãe entrega ao filho. Um produto do reconhecimento, de ligações firmes e seguras. Resistente a crises, ao défice e à queda das bolsas, do crude ou do ouro, porque simplesmente não é transacionável, nem sequer pode ser avaliado pois não existe cotação que se lhe enquadre, nem há mesmo dinheiro que o possa encomendar, alugar, comprar ou de algum modo, enfim, negociar. Beijo familiar, dado por vontade, recebido por sentimento, sentido pelo sangue, concretizado pelos laços inabaláveis e fiéis que, só no seio da família, se ousam almejar e alcançar.
115. Beijo Épico, dado na força e na garra da glória de conquistar por fim a derme acetinada da dama desejada. Felizes lábios se abrindo em gozo último por alcançarem o triunfo na plenitude desse ser para quem se tinham reservado. Canta-se, na emoção do instante, músicas de vitória ou de conquista que depois, perante a sonhada criatura, perdem significado ou importância, uma vez que do outro lado a entrega é plena, desejada e até apetecida. Afinal só ela sabe como ansiou uma eternidade para poder sentir tal sensação. Beijo épico, inventado nos corredores labirínticos do amor, forjado por ambos, moldado na brasa rubra das paixões, no linimento dos sentidos, rumo ao Evereste da glória final.
104. Beijo de Ecos de Vinil, a lembrar os antigos Lps e Singles que rodavam magicamente reproduzindo os sons da agulha, com murmúrios de estática, nos embalando em músicas vindas do âmago dos solistas e das bandas, ainda sob a influência dos anos sessenta, onde fazer amor era sinónimo de combater a guerra e viver pela paz, onde beijar tinha sentido, sentimento e himalaias de emoção. Só este beijo consegue captar esses ecos idílicos de outrora reproduzindo a sintonia dos seres, na plenitude da entrega, na pureza das intenções, no romantismo do meio, na ingenuidade fofa de um beijar de amor.
99. Beijo Digno, aquele que nasce sempre que existe consentimento, verdade, sentimento, razão de ser, atração biunívoca, concordância, harmonia, vontade e querer. Um beijo que implica total respeito entre os intervenientes, porém, e pese embora que neste sentido lato possam existir imensos beijos enquadráveis na categoria, o beijo digno é, por excelência, um beijo vindo do cerne de quem beija e dado no âmago de quem o recebe. Tem o entusiasmo da primeira vez, nem que seja a milésima ocasião em que se entrega. Normalmente, segue a via inequívoca do amor, e, ao lado deste, é capaz de partilhar toda uma existência sem vacilar.
90. Beijo Debaixo de Chuva, um dos que podemos ver repetido em inúmeras cenas românticas no cinema, da América à Índia, por todo o globo aliás, não existe provavelmente um país que não tenha um "take" num filme com uma sequência onde ele aconteça. Porém, muito mais importante ainda, é o facto de ele ser real, de ser quotidiano, de se repetir a cada dia por fazer prova de uma verdadeira demonstração de amor. Não tem a força de um beijo à chuva, mas anda perto. É digamos, uma réplica consolidada desse beijo anterior. Na verdade, nós, humanos, não saímos da nossa zona de conforto, retirando desta equação situações de poder ou de egoísmo, a não ser por algo superior, seja sobrevivência, fé ou pelo verbo magno a que designamos de amar.
75. Beijo à Chuva, o espelho cristalino dos beijos românticos e de conquista. Traduz claramente que o amor vence os elementos, na luta pela sua realização, pela sua única e inabalável força. Um poder quase divino, fazendo os corpos esquecer o meio porque, no seio daquela união selada pelas bocas, existe um querer imaterial mais forte que gravidade ou magnetismo, que clima ou atmosfera, que habitat ou natureza. Beijo soberbo porque aquele género de afeto não tem barreiras, não desiste perante os obstáculos, não se perde na tempestade, nem se acalma na bonança. Ele é o bem supremo quando encontrado no seu estado mais puro e, sem explicações, está muito para além da inteligência, do saber e do conhecimento. Beijo à chuva, maior que as almas, as crenças, os credos, os sentidos e os elementos, maior que o universo, porque nada é maior do que a conquista do amor que este beijar representa a cada acontecer.
69. Beijo Cego, aquele que se dá quando se confia plenamente no destinatário do dito cujo. Quem o recebe tem de merecer a nossa confiança, empatia, amizade e muito possivelmente uma muito boa dose do nosso carinho. Aqui, exige-se o fechar dos olhos num depositar mútuo de certezas numa total ousadia, sintonia, dedicação e ternura. Beijo cego, de olhos fechados, significando que ambos estarão muito perto daquilo que se pensa ser possivelmente o beijo perfeito, cúmplice na partilha, destemido na entrega e completamente invisual porque absolutamente crente, totalmente conseguido e finalmente triunfante.
64. Beijo de Caranguejo, o mais cativante de todos os beijos do Zodíaco e tudo porque não há imitações para este nativo estival. Por definição o Câncer é acolhedor, compreensivo e lutador sempre que o afeto está em jogo ou sempre que alguém se torna um objetivo. Assim são também os seus beijos, afáveis, complacentes, combativos e carinhosos, contudo absolutamente focados e dirigidos num único sentido, numa só via. Nunca servirá qualquer um, apenas aquele alguém específico e não outro qualquer. Quando alcançado o beijo torna-se íntimo, molhado, irrecusável e familiar. Beijo de Caranguejo, um beijo de laços, de união, lento e meigo, privado e exclusivo, onde se declara em palavras ou atos o carinho ou o amor, por isso deveras fascinante, atraente e muito sedutor, sempre na senda do mais puro romantismo.
60. Beijo Cândido pela delicadeza e forma como é cedido. Entregue com o empenho de o oferecer a quem se quer bem, sem com isso pedir seja o que for em permuta. Oferecido com a ternura que transmite ao ser deposto numa suave e recetiva face. Isento de qualquer compensação, pela simplicidade com que, por fim, chega ao destino. Beijo sem intenções, principalmente as segundas, sem falsidades, sem arrogâncias, sem malícias, sem artimanhas e sem libertinagem. Beijo cândido que se entrega porque se quer, que se recebe porque se deseja. Ele é incomparável, natural e tem a energia absoluta daquilo que é vivido a dois, seja amizade, carinho, simpatia ou, porque não, amor...