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Desabafos de um Vagabundo

Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU! Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite

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A Peça do Chinês - Parte III

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CRÓNICAS DE UM VAGABUNDO

EPISÓDIO 110

Parte III

A PEÇA DO CHINÊS - NOVA VIAGEM, NOVA ESTADIA…

Morfina, morfina, morfina. Qual janado apaixonado por uma nova droga dei comigo na disposição de trair a minha velha e boa amiga Nicotina, pela deliciosa, refinada e recém-chegada Morfina. Com esta as dores pareciam paisagens no horizonte e a realidade um filme onde os dias se passavam em horas. Contudo o namoro foi breve, sumariamente resumido à espera provocada pela atuação dos outros fármacos, sendo ela arrancada dos meus braços pelos carinhosos, mas responsáveis vigilantes do meu estado de saúde.

Ainda sob o efeito da minha nova paixão, mas a vê-la desvanecer-se na bruma hospitalar, fui informado que tinha errado no cálculo (coisa que estranhei pois não fazia contas há dias). Não, não era nada disso. Com a paciência dos sábios lá me informaram que um calhau, que tinha residido clandestinamente na minha vesícula, se tinha posto em fuga, talvez com receio que eu lhe cobrasse renda ou solicitasse uma musculada ação de despejo. Porém, na pressa de fugir, o meliante acabara por ficar retido numa viela a que os sábios chamavam de canal biliar.

Soube mais tarde que a descoberta do vadio se ficou a dever a um jovem médico, que decidira não sair do seu turno sem por em pratos limpos o que era aquilo que só a ele parecia uma sombra, contrariando a palpação e douta opinião do experiente cirurgião de serviço, que nada sentira. À terceira ecografia finalmente a pedra foi localizada. Encravada e sem hipóteses de fuga num recanto do tal canal, o biliar (nada de confusões, por favor). Em resumo, depois de dois dias e meio de fuga, ficou claro que se impunha uma intervenção para remover o patife obstrutor. Abençoado seja o jovem teimoso que jejuou na senda da nobre demanda.

Tive de esperar pelo fim de quarta-feira e o início de quinta-feira para ser transferido para os serviços de gastroenterologia do hospital que guarda a memória do nosso Nobel da Medicina tomando-lhe o nome. Estou a falar do Hospital Egas Moniz. Seria uma nova viagem a efetuar, assim que vagasse uma cama no terceiro piso da instituição, onde estavam localizados os respetivos serviços, assoberbada de pacientes e carente de recursos. Só já na nova estadia, a cama 316 do Egas Moniz, é que o efeito da morfina passou por completo e eu regressei, qual migrante contrariado, à realidade e ao presente abandonando a bruma onde fora Senhor por dois dias e meio. Vou ter saudades. Foi no dia seguinte que me falaram da Peça, sim, a do chinês…

Gil Saraiva

A Peça do Chinês - Ato II

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CRÓNICAS DE UM VAGABUNDO

EPISÓDIO 110

Parte II

A PEÇA DO CHINÊS - E VIERAM OS ANJOS…

Vindo do nada, qual raio fulminante, oriundo dos quintos de algum sítio que desconheço, uma dor aguda atingiu-me na zona que normalmente designo por bandulho, transformando-me numa espécie de boneco de trapos, daqueles que têm o mesmo ar idiota de um certo anúncio de amaciador de roupa que vemos na televisão de tempos em tempos, atirando-me ao chão.

Primeiro fiquei de joelhos, propícia posição para a época festiva que se aproximava, e depois, de rastos, armado em comando em prova de choque. Com dificuldade lá me consegui transportar até um leito onde instintivamente adotei a posição fetal que durante nove meses me protegeu há 55 anos atrás. A situação era de tal configuração, dramática e aflitiva, que, por breves instantes, quase que entendi pelo que passam as vítimas da guerra em Aleppo e outros locais semelhantes.

Precisando de ajuda divina lá se encontrou a alternativa mais próxima através do apelo aos Anjos da Noite, uma organização empresarial que envia médicos ao domicílio, sem asas infelizmente e de aspeto bastante humanoide, que cobra preços verdadeiramente demoníacos pelos serviços prestados. A mim calhou-me uma doutora que, a julgar pelo rosto e pela ausência de formas, pouco deveria por certo à divina intervenção do Altíssimo.

Falhou o diagnóstico, pois como me doía a pança apontou para gastrite, mas nem por isso tive desconto, nem o tratamento apontado me tirou as vertigens. o suor frio e as dores que, por essa altura, já me faziam imaginar uma miraculosa gravidez em momento de parto, sem dilatação e a necessitar de fórceps. Porém, a referida desasada lá aconselhou que era melhor chamar os bombeiros e ir para o hospital. Nada a criticar, todos os anjos são bem-intencionados.

Difícil é imaginar dois bombeiros a levar o meu incapacitado metro e oitenta e dois, escada abaixo, três pisos até à rua, num prédio sem elevador, edificado muito cedo no princípio do último século do milénio passado. Penso que a gravidade acabou por ajudar a colocar os 80 quilos de massa, contorcida e em guerra consigo própria, que me representava na maca da viatura dos soldados da paz.

Cheguei às urgências do céu algum tempo depois, ao hospital que dá pelo nome de São Francisco Xavier, onde fui alvo de carinho e atenção. Mas consegui imaginar como se sente o rato num laboratório, passando pelo raio x, análises sem fim, três ecografias, quatro médicos e um cirurgião, onze enfermeiros e seis auxiliares, soro, cateteres, medicação intravenosa e sei lá que mais, acabei, por isso mesmo por descobrir que provavelmente estava mais num purgatório, onde iria passar três dias (pareceram cinco horas) e, dos quais, confesso, não tive grande consciência, principalmente depois da chegada da "Santa Morfina dos Aflitos"…

Gil Saraiva

A Peça do Chinês - I Ato

 

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CRÓNICAS DE UM VAGABUNDO

EPISÓDIO 110

Parte I

A PEÇA DO CHINÊS - O ANTES…

Corria a véspera dos idos de dezembro de 2016, segundo o antigo calendário romano, pelas 20 horas, mais coisa, menos coisa, e eu, sentado placidamente no sofá, fazia o balanço dos últimos dias.

Iria no dia seguinte à cirurgia plástica na Clínica Ibérico Nogueira (uma visita quase de rotina para remover uma dúzia e meia de pontos do rosto junto aos glóbulos oculares, fruto duma intervenção efetuada cinco dias antes, onde me livrara de três monstruosos quistos, que me desfiguravam o fácies ameaçando seriamente um dos meus nervos óticos). Sorri, lá pelo facto de me julgar poeta não me estava a ver de pala no olho, qual Camões dos tempos modernos, menos inspirado talvez, mas igualmente convicto de possuir alguma sensibilidade no que ao dom da escrita diz respeito.

O médico, de quem a clínica herdara o nome, tinha sido supereficiente, o que abonava a favor da fama que dele se apregoa no meio, mas, mais ainda, a favor da minha amiga que simpaticamente mo tinha indicado.

Enfim, aos 55 anos não me podia queixar em demasia. Já tinha passado por alguns episódios de saúde menos felizes, mas saíra sempre deles airosamente e sem grandes consequências para o futuro.

Olhei para o relógio à direita do sofá e dei-me conta que era tempo de tratar dos "comes". Seria um jantar frugal, uma coisa simples pois a fome não abundava nessa segunda-feira calma e pachorrenta. Avancei para a cozinha e iniciei as tarefas a que me tinha proposto. Ouvi o bater das 21 horas já eu ia nos "finalmentes" da preparação da janta. Uns bifinhos de frango, que eu próprio fatiara, temperados com muito alho, picante, vinho branco corrente, algumas gotas de limão e uma mistura de ervas onde o manjericão e os coentros predominavam, acompanhados por umas batatinhas cozidas em água e sal, a ser regadas por um claro e fluido molho de manteiga. Eis senão quando o inesperado aconteceu…

Gil Saraiva

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