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Desabafos de um Vagabundo

Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU! Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite

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Beijo de Empada

106 - empada.jpg

107. Beijo de Empada, criado com mil mimos tépidos, que aos poucos, enquanto duram e se demoram, chegam, sem darem conta, ao enrubescer dos cinco sentidos e de todas as emoções, como se fosse possível a sua transformação numa "manduca" deliciosa feita em camadas. Primeiro os sentimentos, ascendendo que nem lava, vindos do interior da alma, constituindo o nível base de suporte de toda a fundação deste beijar, como que refogando numa combinação temperada as moléculas que despertarão hormonas e feromonas. Na camada seguinte os sentidos, numa ebulição indescritível na busca faminta do êxtase, como que servindo de acompanhamento, que nos permite apreciar o degustar, quais emanações da derme que por debaixo esconde, sem sucesso, a ânsia da carne apetitosa. Quase no cimo acomodam-se os instintos, fervendo na natureza primitiva da sua remota origem, trazendo à nossa memória os intuitos primitivos de procriação animal, onde o gozo se partilha sem que o raciocínio se preocupe com quaisquer consequências. Finalmente a cobertura desta empada feita beijo, qual massa tenra de carinhos, gestos e ternura, representando a roupagem moderna impressa pela civilização evolutiva de milénios educativos e refinados na busca da perfeição das coisas para que tudo neste beijo se gere sem saber como mas que se devore sabendo bem porquê.

Poemas de um Haragano: Achas de um Vagabundo – Toca-me

 

 

        XIV

 

"TOCA-ME..."

 

Quando aquela mão

Se estende decidida e sensual,

Num caminho seguro,

Até tocar suave

Um membro adormecido,

Despertamos nós...

 

Desperta o príncipe

Com coaxares de sapo,

Porque a magia

Se fez vida

E gozo último...

 

Quantos de nós, homens,

Antropófagos do sentir,

Não atingimos o céu

Antes do tempo

E tudo por um toque apenas?

Ahhhhhh...

Isto é vida!

 

Nada se compara

Ao arrepio da derme

Perante um deslizar

De dedos ao acaso.

 

Nada é mais intenso

Do que sentirmos a mão,

A nossa mão,

Navegar serena,

Pela derme de outro alguém,

Procurando o calor ameno

De um Trópico de Câncer

Ou Capricórnio...

Pra mergulhar ardente

Num vulcão de amor

E nos fazer arder

Sem febre alguma

Que não aquela

A que chamamos de paixão...

 

Partir do que é geral

Para o mais específico,

Intimo, privado e particular...

Sentir a preocupação das formas,

Das cores, do brilho,

Do estado hipnótico de um toque,

Em impressões tácteis

De impensáveis sensações

De loucura frenética e absoluta...

 

Depois...

Procurar uma ordenação táctil

Dos elementos do percurso

E projetá-los em cenas

De luxuria conseguida e integral...

Por fim...

Gritar em êxtase:

Toca-me de novo meu amor!!!

 

A Mulher,

Mais do que ser humano,

É arte viva,

Sente

Como nenhum outro espécime

À face do planeta...

E faz sentir...

Chegamos ao infinito

Num só toque...

E de lá voltamos para podermos,

Também nós,

Tocar e atingir assim

O despertar de uma aurora

Que nasce pura de êxtase

E plena de prazer!...

 

A Mulher

Faz uivar bem lá no fundo

Aquele ser esquecido,

De ser gente,

De ler vida,

De ter voz...

E provoca do intimo

A alma ansiosa de sentir,

Perdida de sentido,

De momento,

Já faz muito e muito tempo,

Para gritar, por fim,

Em pleno êxtase:

Toca-me de novo meu amor!!!

 

Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo

(Gil Saraiva)

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