XI
"O FIO..."
Que o meu grito aos astros
Se oiça nos confins do firmamento...
E que o seu eco se espalhe
Pelo infinito mundo das mensagens...
Que eu seja entendido
Ao menos uma vez...
Minhas palavras
São lágrimas de limbos
Que para se entenderem
Têm de ser sentidas
Por quem, como eu,
Chora o deserto para que nele
Uma flor possa nascer...
Se eu choro lágrimas de vagabundo
É porque estou condenado
A procurar um fim prá solidão...
Porque a solidão
Tem saída neste labirinto...
Mas quantos encontram
O caminho certo?
Quantos conhecem
O homem solitário,
Este ser que existe nas memórias
De quem com ele,
Um dia,
Foi feliz...
Vem amor, vem,
Juntos descobriremos o fio
Que nos conduz
À luz dos sentimentos,
Ao fim da sentença eterna
De vaguearmos perdidos pelos limbos...
Vem amor, vem,
Que o fio da vida
Pode a qualquer hora terminar...
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos da Flor
(Gil Saraiva)
XVI
"UM POEMA"
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Se for ouvido é música divina,
É arte,
É voz...
Mas se na valeta
Do esquecimento
Ele cair
Então
O poeta morreu uma vez mais,
Mas não sem antes sofrer muito
Para além do suportável
Pelo comum dos mortais...
Quantos de nós,
Muito além desse sentido,
A que chamamos de audição,
Escutamos realmente o grito mudo?
Quantos de nós ouvimos
No marasmo do nosso cotidiano
Um só poema?
"-Depende..."
Dirão os mais sensíveis...
"-Eu acho que sim!"
Afirmarão os convencidos
Pelas lições que a vida
Lhes foi dando...
"-Eu escuto..."
Dirás tu
Com medo da tua própria voz...
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
III
"AQUI..."
Aqui
Onde a palavra mais se afirma
Como produto social,
A faculdade última
De comunicarmos
Por meio de sinais
Que todos entendemos,
Porque são próprios
Desta comunidade
Que constituímos...
Aqui,
Onde a fala
Se traduz na escrita
Como um acto de utilização
De uma linguagem,
E porque não,
Como a concretização
Do potencial da língua
Passada à palavra...
Aqui,
Falamos...
Escrevemos...
Sentimentos em sinais,
Próprios do grupo
Que constituímos...
Aqui
Traduzimos estados da alma
Em discursos originais,
Vivos e criativos,
Através de combinações livres
Do que somos, sentimos,
Queremos, desejamos
E em última análise
Sonhamos...
Aqui...
Somos,
Nas palavras,
Verdadeiras metáforas
Do que queremos ser...
Configurações tacitamente
Assumidas pela líbido...
Aqui...
Inventamos verdades inequívocas
Provocadas pelo efeito do écran,
Como se da nossa própria visão
Se tratasse...
E nos lugares comuns
Desta linguagem
Afirmamos o grito
Da nossa solidão...
Aqui
Queremos existir
Em felicidade!...
Pura,
Simples,
Essencial...
Aqui
Conseguimos entender
E produzir
Um número infinito de frases
Que nunca antes lemos,
Ouvimos ou pronunciamos...
E porquê?
Porque estamos integrados!...
Aqui...
Somos parte de um todo
Que funciona sem conhecimento
De todas as partes,
Aparentemente anárquico,
Mas obviamente
Interligado a esquemas
Que apenas o nosso subconsciente
Consegue interpretar...
Enfim...
Aqui...
Somos os filhos
De uma mesma alcateia
E ao uivarmos,
Não estamos apenas a venerar a Lua
Que se encontra cheia...
Mas a dizer também aqui
Que queremos amar!...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
IV
"É APENAS AMOR"
É apenas amor, mas se isso é tudo
Como posso viver tão longe agora?
Como sorrir à dor que me devora
Se o espelho cada vez é mais sisudo?
Como posso viver se esta demora
Me afasta de teu ventre de veludo?
É apenas amor o grito mudo
Que dentro do meu peito, em fogo, chora!...
É apenas amor, por ti, amor...
Meu olhar turvo, a voz meio abafada,
A mão dormente, o corpo sem calor,
O vazio da mente enevoada...
Tem apenas amor meu Universo
E já nem forças tenho pra outro verso!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
PARTE I
PAISAGENS
I
“MAIS PERTO DO CÉU”
Quem não tem fantasias nesta vida?
Filmes não vividos, só sonhados…
Soluções impossíveis que parecem ter saída,
Raciocínios absurdos mas na perfeição elaborados…
Caminhos percorridos pela mente,
Porque foram por ela imaginados.
Sonhar uma viagem tão secretamente
Que não se encontram excertos registados…
E assim… descobri um ponto no infinito,
Preciso, definido, desvendado,
E vê-lo mais perto, cada vez,
Sem palavras usar, nem mero grito,
A pouco e pouco melhor sendo focado,
Redesenhando, com espantosa nitidez,
As formas, os traços, as imagens,
Que na memória recordam as paisagens…
Quem não teve fantasias nesta vida?
Quem não sentiu saudades mesmo que de fugida?
Foi destapado o esquecimento, o véu,
Que nos prova o quanto, de verdade,
Já vivemos plena felicidade,
Mais perto, bem mais perto do céu…
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
"TIMIDEZ"
Vai ao anoitecer haver luar...
Das nuvens nós faremos fértil cama
E servirão cometas, cauda em chama,
Para lençóis tecermos com vagar...
Vai ao entardecer ferver o ar,
Na orvalhada terra cozer lama,
E vai a própria vida arder de fama
Ao sentir duas almas gémeas, par,
Prontas pra se fundirem num só grito...
Vai ao anoitecer tecer a Lua
Mantas de estrelas, capas de infinito,
Só pra cobrir a tua forma nua...
Vai o entardecer nascer cortês
Rendido ao teu sorriso e timidez!...
Haragano, O Etéreo in Livro de Um Amor
(Gil Saraiva)