Desabafos de um Vagabundo: A Vacuidade de Isa Nascimento
Regressei, impelido pela curiosidade, ao blog da Isa no Sapo, aquele denominado "Um Pássaro Sem Poiso", onde ontem estive, desta vez para poisar a minha atenção sobre o poema intitulado "Vacuidade" e, mais uma vez, comentei. Volto, em primeiro lugar, ao poema e, como fiz no último, os comentários ficam para o fim:
Vacuidade: por Isa Nascimento - (https://isanascimento.blogs.sapo.pt/vacuidade-107046)
Vacuidade
Tão vazia me sinto
Nesta vida de ausentes.
Vazia como a casa
Sem eles presentes.
Vazia como a cama
De ti despejada.
Na vacuidade flutuo
Sem controlo nem direção,
Empurrada pelo vento
Ou pelos lamentos,
Ao sabor da chuva
E de quaisquer elementos.
Restam-me as palavras
A ocupar o vácuo ao entardecer,
Os espaços em branco
Do presente e do amanhecer.
Palavras feitas âncoras afundando-se
Sem com elas me levarem.
Fateixas de mil braços espraiando-se
Em porto seguro no fundo do mar.
Palavras feitas tijolos, meus versos
Contruindo, resgatando-me
Deste nada que é meu lar,
Erguendo-me noutros universos.
Isa Nascimento
(Imagem de Isa Nascimento)
Os Comentários:
1 - Em primeiro lugar e antes de uma outra coisa qualquer, menina Isa, amei de coração. Excelente poema! Muito bom mesmo. Como é possível criar algo vindo, tão perfeitamente, do âmago do que somos, usando um palavrão tão feio, como é, no caso, a "vacuidade".
A tristeza profunda e sentida que esse vazio emana, gerou, em mim, uma intensa vontade de lhe oferecer colo, não porque a menina precise dele, pois já se faz acompanhar do desabafo, à tijolada, feito de palavras, mas porque a vontade inata da alma lusa, que é parte de mim (como o é de muitos de nós), me impele a ser solidário, amigo e ativo.
Note, menina, que não estou a falar da solidariedade bacoca, como aquela das petições fingidas, em que se oferece algo aos coitadinhos deste mundo, tornada moda nas redes ditas sociais. Essa visa cobrar o dízimo e oferecer a falsa sensação de salvação aos mais abonados materialmente e que preferem pagar, para aplacar a sua culpa de almas esvaziadas de qualquer sentimento verdadeiramente empático e solidário.
Aqui, onde me encontro, sentado a ler o seu poema, menina Isa, eu vi hoje passar, de perto, o vazio angustiado e profundo de uma alma à deriva que se tenta salvar no grito mudo das palavras escritas. A vontade inata é esticar o braço e agarrar a corda ou a corrente, arrastando, no ato, a âncora para terra firme, como se este vagabundo dos limbos, em que me constituo, a pudesse salvar, qual cravo em cano de espingarda, que habilmente transforma a ditadura, em plena revolução, num jardim de liberdade que se deseja firme. Porém, não sendo eu, certamente, um porto de abrigo, pelos instantes que durou a leitura e até um pouco mais além, desejei sê-lo.
Ups! A minha querida amiga, por vezes, tem este efeito em mim. Quando desperto já estou sendo arrastado, quase desde o início, pela maré do seu sentir. Mil perdões. Deixo uma quadra que fiz, tem muito tempo...
Sorria, nunca ande triste
Pelos caminhos da vida,
Que a vida, que em nós existe,
Não tem volta, só tem ida!
Gil Saraiva
2 - Voltei. Estava pela quarta vez a reler o poema (que, repito, adorei) quando reparei que cada estrofe tinha dois versos que rimavam entre si. Giríssimo. Não tinha notado. Este facto fez com que o tornasse a ler, pelo menos mais quatro ou cinco vezes. Perdi-lhe a conta. No final, cheguei à conclusão que a rima é totalmente dispensável. Explico porquê.
Cada estrofe tem uma musicalidade emprestada pela leitura que flui, em si mesma, apenas pautada pelas virgulas e pontos finais. A cadência impregna o poema, dá-lhe ritmo e vida própria. Porém, ao integrarmos as rimas na leitura (apenas dois versos em cada quatro ou seis) a musicalidade e serenidade austera da poesia é afetada e alterada pela rima pontual, realçando-a e esbatendo a força das palavras, alterando a fluidez e a musicalidade do conteúdo.
E depois... quem rima "afundando-se" com "espraiando-se"???? (Hehehe). Eu, milagrosamente, não enfatizei, nem sequer reparei na rima nas primeiras leituras, pois teria perdido, se o tivesse feito, a beleza corrente e fluida do conteúdo. Peço desculpas pela crítica, mas o poema ganha muito mais se não ligarmos à rima.
Obrigado.
Gil Saraiva
Nota: Isa respondeu-me inteligentemente a ambos os comentários, porque de outra maneira não poderia ser. Porém, se querem seguir essa novela sigam o link do blog desta minha virtual e talentosa amiga.