IX
"NÃO LEIAS..."
Não leias...
Não leias estes versos
Meu amor,
Eles, que são pra ti,
Não deves ler
Pois não podes, jamais,
Pensar saber
Que meros versos são...
Uns sem valor...
Não leias estes versos...
Por favor...
Neles, faminto vivo
Por viver,
Neles, razão tu és
Deste meu ser,
Neles, eu nada sou
Sem teu calor...
.
Não leias estes versos
Que te escrevo,
Não pode o teu amor
Calhar-me à sorte,
Não tenho as quarto folhas
Num só trevo
Se na roda da vida
Tenho a morte...
Não leias estes versos
Sonho terno
Se eu em teu existir
Não for eterno...
Não leias estes versos
Que falam de um de nós
Que apenas minha mente
E minha voz
Inventaram de forma inconsistente...
Não leias estes versos...
Estou doente!...
Como podes tu ler
Esta passagem
Se mais real que tu
É uma miragem!...
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos Da Flor
(Gil Saraiva)
III
"AQUI..."
Aqui
Onde a palavra mais se afirma
Como produto social,
A faculdade última
De comunicarmos
Por meio de sinais
Que todos entendemos,
Porque são próprios
Desta comunidade
Que constituímos...
Aqui,
Onde a fala
Se traduz na escrita
Como um acto de utilização
De uma linguagem,
E porque não,
Como a concretização
Do potencial da língua
Passada à palavra...
Aqui,
Falamos...
Escrevemos...
Sentimentos em sinais,
Próprios do grupo
Que constituímos...
Aqui
Traduzimos estados da alma
Em discursos originais,
Vivos e criativos,
Através de combinações livres
Do que somos, sentimos,
Queremos, desejamos
E em última análise
Sonhamos...
Aqui...
Somos,
Nas palavras,
Verdadeiras metáforas
Do que queremos ser...
Configurações tacitamente
Assumidas pela líbido...
Aqui...
Inventamos verdades inequívocas
Provocadas pelo efeito do écran,
Como se da nossa própria visão
Se tratasse...
E nos lugares comuns
Desta linguagem
Afirmamos o grito
Da nossa solidão...
Aqui
Queremos existir
Em felicidade!...
Pura,
Simples,
Essencial...
Aqui
Conseguimos entender
E produzir
Um número infinito de frases
Que nunca antes lemos,
Ouvimos ou pronunciamos...
E porquê?
Porque estamos integrados!...
Aqui...
Somos parte de um todo
Que funciona sem conhecimento
De todas as partes,
Aparentemente anárquico,
Mas obviamente
Interligado a esquemas
Que apenas o nosso subconsciente
Consegue interpretar...
Enfim...
Aqui...
Somos os filhos
De uma mesma alcateia
E ao uivarmos,
Não estamos apenas a venerar a Lua
Que se encontra cheia...
Mas a dizer também aqui
Que queremos amar!...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)