XIV
"POR MAIS..."
Por mais
Que o encanto
Pareça estar quebrado...
Por mais
Que o sonho
Tenha dado lugar ao Sol
Depois de um raiar irritante
E nublado da aurora...
Por mais
Que o cotidiano
Me tente chamar à razão,
Qual despertador enervante,
Repetitivo,
Monótono
E incansável...
Por mais
Que a flor
Se encontre oculta...
Por mais
Que tudo...
Nada vai parar
Quem sonha
Com o que sabe querer,
Por mais
Que o sonho
Demore a chegar...
Por mais que o sonho
Demore
A sonhar...
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos da Flor
(Gil Saraiva)
VIII
"IMAGINE-SE..."
Imagine-se um mar de prata
Bordado ao ouro macio de um pôr-do-sol,
Deixemos agora
A nossa mente
Colocar algumas aves nidificando
Na costa fina de arbustos salgados,
Reserva natural
De um qualquer sonhado paraíso...
Em silêncio,
Os bateres de asas,
Se confundem com o restolhar do vento
Que sorri prá Primavera
Agora tão tangível...
O sentimento é por certo de harmonia!...
Pra quem não sente em verso
O deleite que os sentidos propiciam,
Recomendo que respirem fundo,
Deixem entrar languidamente
O cheiro a maresia...
Issooo...
Procurem agora sentir
A aragem vos acariciar,
De leve,
Passando-se suave
Pelo brilho dos olhos
E obrigando ao esvoaçar de alguns cabelos...
Com o olhar
Sigam as aves
Que gritam cânticos de amor
E de acasalamento...
Se entreabrirem os lábios
As papilas vão, por certo,
Detetar o gosto a mar,
O gozo das sensações plenas
E do encontro puro e idílico com Gaia,
A deusa que voluptuosa
Representa a Terra original...
Sentem?
Agora pensem,
Com um sorriso,
Num amor ausente...
Procurem influenciar a mente,
Mas sem esforço...
Issoooooo...
Estão vendo a sereia?...
É no exato instante,
De sensual e romântica lasciva,
Em que de joelhos nos dobramos
Para colher uma flor
De beira de caminho,
Que estamos integrados!
Cheios de amor,
De vida e de natura,
Enfim... de plenitude!!!
Imagine-se
Um mar de prata
Bordado ao ouro macio
De um pôr-do-sol
E conclua-se
Que afinal amar é simples...
Senão o mar seria água
E nada mais,
As aves: pássaros
E a reserva: pântano...
Imagine-se...
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos Da Flor
(Gil Saraiva)
VI
"EU ESPERO"
Penso sozinho, eu sei,
Na solidão...
E o silêncio, nas sombras,
Não me ajuda...
Apenas faz crescer
Minha paixão...
Apenas me corrói
E me tortura
Em processos de mágoas
E loucura!...
E como se agrava a minha dor...
Em mil momentos de pavor...
Pois quanto mais eu penso,
Mais eu sei,
O quanto me dói
E me magoa,
Ter na solidão a voz amiga
Ou um riso cínico de intriga!...
Onde estará o meu amor?
Será que me deseja
Ou que me insulta?
E pensará em mim
A flor oculta?
Porque será que amar
Também é dor...?
Talvez se sinta só,
Para além das estrelas,
Através de imaginária ponte...
Através da linha do horizonte
Vem com as ondas do mar,
Vem para amar...
Espuma de raiva incontida
De querer e me não ter,
Mas de ser vida...
Mas de ser Ser...
Ela sabe, ao certo,
Que a desejo...
Me conhece bem
Em cada beijo...
Ai! Como posso eu
Viver sem ela...?
Eu quero o meu amor aqui,
Comigo...
Brilhando com o brilho
De uma estrela!...
Sinto algures alguém...
Sinto um respirar na escuridão...
E sinto mesmo
Sem sentir ninguém
Porque oiço bater um coração,
No silêncio dos limbos
Que não vejo,
No escuro vagabundo
Onde desejo,
Qual Haragano,
Um Etéreo ser,
Sem forma definida...
Eu a verei até,
Talvez, quem sabe,
Um outro Inverno...
E esperarei de pé,
Mesmo que a força acabe,
Na calote cristalina, glaciar,
No frio gelado de tão externo...
Se tiver de aguardar...
Aguardarei...
Aguardarei por meu amor eterno!...
Como um raio de Sol ela será...
Tão radiante
O gelo fundirá...
Nada esconderá o seu semblante!...
Viajar pela noite viajarei...
Guiando-me pela luz sem ter sinais...
A luz do seu amor, do meu amor,
A luz dos nossos ideais!...
E agora, por fim, nada mais digo...
Sei... sou... desejo... quero...
Eu sei meu amor o que consigo:
"-Amor acredita... Amor... eu espero!..."
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos da Flor
(Gil Saraiva)
ACHAS DE UM VAGABUNDO
I
"ADORMECER..."
Quero ver o brilho de teus olhos
Refletir o gozo do teu ventre...
Quero...
Porque tu,
Fronteira marginal de meu prazer,
Fonte viciada onde me banho,
És rochedo que se ergue
Junto à praia,
És terramoto,
Epicentro de mim e tudo o mais...
Quero ser a maré
Que sobe à tua volta
E que volta a descer
Suavemente
Ou com a fúria das vagas,
Que na Adraga,
Moldam a seu belo prazer
A dura rocha....
Quero poder provar o sal
Das tuas ondas;
Escondendo-me à força e,
À vontade,
Explodir dentro de ti
Nascente natural do meu querer,
Fonte viciada onde me venho
Pra regressar, um dia,
Não sei quando...!
E quero poder olhar para o mundo
Sem o ver;
Sentir a multidão
Sem a sentir;
Falar com a vida
Sem falar;
Pois sei que apenas quero ter
A tua companhia e saber ir
Para onde contigo
Possa estar...
Quero ainda
Que os nossos pensamentos
Se envolvam
Conforme os movimentos!...
Eu quero tudo amor
E tudo é pouco,
Porque o tudo é nada
Sem te ter...
Mas o que é tudo?
(Por um momento o espaço
Fica mudo
Para em seguida,
A minha voz, dizer...):
- É o rever teu rosto de mar
A cada amanhecer
E já, indo alta a noite,
Voltar a vê-lo adormecer...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
VII
"SENTIR CAMONIANO"
Amor é eterno nada e universo;
É ilusão que muito e pouco dura;
É muita fome ter quando há fartura;
É viver o contrário do inverso;
É um calado estar quando converso;
É doença que não procura a cura;
É seta que não faz qualquer rotura;
É submarino coração emerso;
É vela acesa que apagada existe;
É o sonho do homem acordado;
É a felicidade de estar triste...
Mas como podes ter tu sublimado
Este sentir, Camões, que descobriste
P’rá ‘inda ser presente o Amor passado?...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
V
"BASTOU..."
Nos braços de mulheres, vezes sem conta,
Caí durante um tempo que não sei...
E nos seus ventres foi meu ceptro rei,
Vassalo, escravo, prémio e mesmo afronta...
E nos seus lábios minha boca pronta
Bebeu todo um amor que eu não provei...
E porque tudo tive... nada dei,
Apenas saciei-me em carne tonta...
Em braços, por mulheres, meu ego andou,
Vampiresco animal por emoções...
Eu fui o outro lado do que sou
Somando caras, ventres, erecções...
Mas me perdeu um dia Lúcifer,
Bastou um só olhar de ti... mulher!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
f
"TUDO E NADA" Amor, num golpe, é espada e cativeiro; Amor é chave, é vinha e é guarida; Amor é já, também, a nova vida; Amor é universo e é celeiro; Amor é flor exposta num canteiro: Orquídea, rosa, cravo ou margarida? Não importa saber qual a mais q'rida, Se em lapela ao amor tomam o cheiro... Amor é coração, amor é dor, É ter; é ser; é estar; é acordar; Amor é o primeiro beijo dar; Amor é quando ao vê-la tem calor Perdida face agora enamorada... Amor é sempre tudo; é sempre nada!... Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus (Gil Saraiva)