Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU!
Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite
Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU!
Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite
(Cabo Verde, Ilha do Sal, Santa Maria, Noite de Lua Nova em Odjo d'Água - IV - Foto de autor, direitos reservados)
Registos da Memória
IV
Noite de Lua Nova em Odjo d'Água
Por entre a escuridão serrada, de uma noite de Lua Nova, apenas a ação do ser humano se destaca na paisagem. O breu preenche a noite nas sombras da sua escuridão. A prata da areia ganha os tons da antracite, a vegetação do pequeno promontório toma forma de seres, que parecem chegados de um além à unidade hoteleira, à beira mar, em Odjo d’Água, para pernoitar. Sem a luz da Lua, no espaço celeste, as estrelas escondem-se, timidamente, quiçá a recear a chegada de espíritos ancestrais vindos das trevas, cujas intenções todos ignoram.
Ali, somente o pequeno espaço hoteleiro se faz notar, desafiando o breu do curto cabo, por luzes que custam a rasgar a noite em Santa Maria, na Ilha do Sal, ali, juntinho à Praia de Odjo d’Água. No ar escutam-se os sons de uma morna original, vinda do hotel. Os batuques ritmados parecem convocar os seres da noite, naquela quase perfeita tela, pintada a óleo de um negro soprado pelos ventos quentes do Sahara de África, para lá do oceano. Está calor e a brisa cola-se aos corpos, de quem passa sem ser visto, deixando rastos de fragrâncias de um suor salgado de travo adocicado. Contudo, sem qualquer explicação aparente, não é o terror que se instala nas almas dos oclusivos seres ali presentes, mas uma paz insular de uma África milenar que, sem razão alguma, nos relaxa o cérebro e nos liberta os chacras do âmago de nós mesmos, por alguns momentos que sabem a eternidade, quase mágicos, impossíveis e tão transcendentais.
72. Beijo Cigano, roubado em noite sem Lua pelas raias da vida, cabelos ao vento brandindo florestas ocultas no breu. Beijo apanhado, quase ilegal, escondido de todos, família ou lar… Nada mais importa do que esse beijar. Beijar vagabundo de um haragano, que alazão selvagem não se deixa domar. Beijar cegamente num beijo profundo, que vem do instinto, que vem do amar. Beijo apropriado feito destino à luz da fogueira por entre sombras ocultas. Uma só maneira de chegar primeiro ao beijo que a alma parece cantar. Beijo lançado por cartas sem rumo que traçam destinos sem os traçar. Beijo feito de sinais de fumo que um beijo assim é de contrabando, é forte, é intenso, é de recordar, pode ser meigo, mas não é brando, pode ser vida, mas pode matar...