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Desabafos de um Vagabundo

Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU! Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite

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Registos da Memória - IV - Braga Branca - Pegadas

Braga Branca 04.JPG

(Braga Branca – Pegadas - IV - Foto de autor, direitos reservados)

Registos da Memória

IV

Braga Branca – Pegadas

 

Olhei para trás, a meio do meu passeio pela alva neve, e dei-me conta das pegadas nítidas, vivas, bem marcadas no solo. Parecia que uma entidade invisível me seguia os passos com uma precisão de relojoeiro de uma marca dispendiosa de contadores do tempo. Voltei a olhar para as marcas no chão, decorei bem os detalhes do desenho e finalmente, respirando fundo, levantei um pé dobrado para trás e confrontei as marcas com o designe da minha sola…

As marcas no caminho e o formato da sola eram efetivamente coincidentes. Não havia, portanto, nenhum ser estranho a seguir-me e aquelas eram as minhas próprias pegadas e nada mais do que isso. Ri-me, fiquei com a certeza de que andava a ler demasiados mistérios do oculto. Olhei a paisagem tentando seguir meus passos, a uns metros, na última curva que fizera, um rasto de pegadas secundava as minhas, pior, até onde a vista alcançava o segundo trilho de marcas no chão seguindo paralelo ao meu. Parava apenas na última reta e não seguia para lado algum.

Avancei uma vez mais seguindo o meu trajeto. A minha mente desviou-se para o objetivo da minha próxima foto e continuei o meu trabalho. Meia hora depois, já de chave na mão à porta de casa lembrei-me das pegadas e olhei para trás. O segundo rasto seguira-me até ali. Desta vez não se ficara a uns metros de distância. Senti um arrepio subir-me pela espinha, atabalhoadamente abri a porta do prédio, entrei e fechei rapidamente a mesma atrás de mim. Solitariamente umas marcas de pegadas afastavam-se do meu ponto de visão. Não havia mais ninguém nas redondezas…

Gil Saraiva

 

 

 

Poemas de um Haragano: Nos Caminhos da Flor – Eterna Rocha

 

              IV

 

"ETERNA ROCHA"

 

A flor do jardim olhou para mim...

Eu, um Vagabundo Dos Limbos,

Da net; Senhor da Bruma, da noite;

Haragano, O Etéreo...

Lenda urbana de quem nunca

Ninguém ouviu falar...

 

Passava perto, a caminho da vida,

E a flor do jardim olhou para mim...

 

As pétalas penteadas pela brisa,

O tronco hirto e firme pela certeza,

As folhas como braços abertos

Em minha direção...

 

"- É contigo que eu quero partilhar

A minha essência...

Aqui, numa cama de pétalas,

Sob um céu de luar...

 

Vem! Terás contigo o perfume da noite,

O sorriso das estrelas,

A plácida tranquilidade da Serra

Perante a eterna vigília da Lua...

 

Vem! Ocupa o meu jardim, sê meu Senhor,

O Senhor da Serra da Lua,

Dono do meu amar, do meu amor..."

 

Olhei a flor do jardim...

Ainda suspirava na ansia da resposta...

 

Olhei a flor, ali, ao sol exposta,

Branca e pura como a pura neve,

Silvestre e livre como a liberdade,

Doce e bela como a natureza...

 

Sorri... Oh como eu sorri...

Sorri de orgulho daquele olhar florido

Em mim poisado,

De vaidade infinita por me sentir

O desejo profundo de uma flor

E respondi:

 

"- Flor, eu sou um Vagabundo Dos Limbos,

Da net; Senhor da Bruma, da noite;

Haragano, O Etéreo,

Lenda urbana de quem nunca

Ninguém ouviu falar,

Buscava perdido o caminho da vida,

Em confusão, e... afinal...

Tudo é tão mais simples...

 

Serei teu e serás minha

Se o orvalho da madrugada

Eu poder ser em tua sede,

Alimentando-te a raiz e o existir...

 

Serei, enfim, o solo onde te firmas,

Servo da terra onde és jardim...

 

Não te quero eu perder,

Dá-me o teu etéreo existir

Na eternidade,

Transmuta-me na Serra da Lua...

 

Que a minha voz seja agora

A do vento que sopra de Ocidente,

A saliva o mar

Que desagua no meu corpo

E meus passos as pegadas do futuro

Que um qualquer dinossauro

Marcou na eterna rocha..."

 

Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos da Flor

(Gil Saraiva)

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