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Desabafos de um Vagabundo

Serve este local para tornar visível o pensamento do último dos vagabundos que conheço: EU! Aqui ficarão registados pensamentos, crónicas, poemas, piadas, quadros, enfim, tudo o que a imaginação me permite

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A Peça do Chinês - Parte IV

A Peça do Chinês4.jpg

CRÓNICAS DE UM VAGABUNDO

EPISÓDIO 110

Parte IV

A PEÇA DO CHINÊS - A PEÇA ENTRA EM CENA…

Quinta-Feira entrei em dieta zero. Mas ao contrário da Coca-Cola, quer na cola "Diet" quer na Zero, não tive direito nem a algo com sabor a formigas que nos introduz água, corada e fervilhando bolinhas de gás plenamente carbonizado, pela goela abaixo. Não! Dieta zero em hospital é abstenção de comida e bebida com direito, por vezes, a soro intravenoso, mas isso apenas se tivermos sorte. Tudo por causa da operação não intrusiva, acompanhada por uma anestesia geral e cirurgião, opacamente apelidada de CPRE, que tem por objetivo partir-me o calhau, aquele libertino fugido da vesícula, e introduzir um tubo com vista a alargar o tal canal (o biliar), com luz verde para avançar no dia seguinte.

Fui informado que, quando da minha chegada, já existiam outros internados à espera do mesmo procedimento uma vez que a máquina usada para a operação tinha estado avariada e que, só agora, a peça, vinda da China, tinha sido colocada corrigindo a deficiência. Como os outros já tinham marcação ficara decidido que eu entraria numa aberta entre as marcações ou no final das mesmas se houvesse tempo. Alguém simpático me referiu que estes tipos de intervenções demoravam entre uma a duas horas e que era normal fazerem-se mais de meia dúzia por dia.

Fiquei aliviado, respirei fundo mais descomprimido e até passei melhor o dia de estômago vazio. Afinal aquilo era uma operação de rotina e a taxa de mortalidade estava reduzida a uns meros… um por cento. Banal, rotineiro, customizado, palavras que me soaram a balada romântica aos meus ouvidos magoados com os berros da minha própria voz nos dias antecedentes. A ajudar à festa, um outro paciente alojado no mesmo espaço que eu, o Bonifácio, mantinha a "caserna" em alta com um sentido de humor malandro, alegre e superpositivo. Para ele qualquer elemento esteticamente interessante do género feminino era apelidado de paisagem. Bem escolhido. E o piso três do Egas Moniz tinha, nesta altura, algumas que desafiavam largamente as maravilhas que vemos no canal da "Nacional Geographic".

Chegou a Sexta-Feira e, bem no final do dia, fui informado, com muito carinho, que a vaga não surgira e que podia parar a dieta zero e jantar já que a minha operação fora transferida para a Segunda-Feira seguinte, pela manhã. A fome era tal que, depois de comer, achei que a comida do hospital era bem melhor do que a confecionada por um "Chef" premiado. Adormeci a soro e de barriga cheia a sonhar com paisagens…

Gil Saraiva

A Peça do Chinês - Ato II

A Peça do Chinês2.jpg

CRÓNICAS DE UM VAGABUNDO

EPISÓDIO 110

Parte II

A PEÇA DO CHINÊS - E VIERAM OS ANJOS…

Vindo do nada, qual raio fulminante, oriundo dos quintos de algum sítio que desconheço, uma dor aguda atingiu-me na zona que normalmente designo por bandulho, transformando-me numa espécie de boneco de trapos, daqueles que têm o mesmo ar idiota de um certo anúncio de amaciador de roupa que vemos na televisão de tempos em tempos, atirando-me ao chão.

Primeiro fiquei de joelhos, propícia posição para a época festiva que se aproximava, e depois, de rastos, armado em comando em prova de choque. Com dificuldade lá me consegui transportar até um leito onde instintivamente adotei a posição fetal que durante nove meses me protegeu há 55 anos atrás. A situação era de tal configuração, dramática e aflitiva, que, por breves instantes, quase que entendi pelo que passam as vítimas da guerra em Aleppo e outros locais semelhantes.

Precisando de ajuda divina lá se encontrou a alternativa mais próxima através do apelo aos Anjos da Noite, uma organização empresarial que envia médicos ao domicílio, sem asas infelizmente e de aspeto bastante humanoide, que cobra preços verdadeiramente demoníacos pelos serviços prestados. A mim calhou-me uma doutora que, a julgar pelo rosto e pela ausência de formas, pouco deveria por certo à divina intervenção do Altíssimo.

Falhou o diagnóstico, pois como me doía a pança apontou para gastrite, mas nem por isso tive desconto, nem o tratamento apontado me tirou as vertigens. o suor frio e as dores que, por essa altura, já me faziam imaginar uma miraculosa gravidez em momento de parto, sem dilatação e a necessitar de fórceps. Porém, a referida desasada lá aconselhou que era melhor chamar os bombeiros e ir para o hospital. Nada a criticar, todos os anjos são bem-intencionados.

Difícil é imaginar dois bombeiros a levar o meu incapacitado metro e oitenta e dois, escada abaixo, três pisos até à rua, num prédio sem elevador, edificado muito cedo no princípio do último século do milénio passado. Penso que a gravidade acabou por ajudar a colocar os 80 quilos de massa, contorcida e em guerra consigo própria, que me representava na maca da viatura dos soldados da paz.

Cheguei às urgências do céu algum tempo depois, ao hospital que dá pelo nome de São Francisco Xavier, onde fui alvo de carinho e atenção. Mas consegui imaginar como se sente o rato num laboratório, passando pelo raio x, análises sem fim, três ecografias, quatro médicos e um cirurgião, onze enfermeiros e seis auxiliares, soro, cateteres, medicação intravenosa e sei lá que mais, acabei, por isso mesmo por descobrir que provavelmente estava mais num purgatório, onde iria passar três dias (pareceram cinco horas) e, dos quais, confesso, não tive grande consciência, principalmente depois da chegada da "Santa Morfina dos Aflitos"…

Gil Saraiva

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