Registos da Memória - VII - Braga Branca - Letras de Sal
(Braga Branca – Letras de Sal - VII - Foto de autor, direitos reservados)
Registos da Memória
VII
Braga Branca – Letras de Sal
A neve, sobre o arbusto de tons rubros, ocres e principalmente verdes, parece desenhar letras de sal, tentando transmitir a mensagem gelada de uma Braga, onde o frio se fez sentir de modo extremo, nos idos de janeiro de 2009. Com facilidade os meus olhos descobrem símbolos que parecem letras desenhadas toscamente sobre a natureza, facilmente vejo o xis, o i, o u, o pê, o tê, o vê e o ípsilon, com alguma atenção descubro ainda o ó, o eme, a letra ene e o à. Em esforço ainda descortino o cê, o jota, o agá, a letra ele, e a esse, mas deve haver outras escondidas entre as deformações cristalinas daquelas gélidas letras de sal, expostas ao frio da manhã, no topo do arbusto, que serve de base à estranha escrita.
Poderá aquilo ser uma mensagem vinda de outra dimensão? Estará escrita em português? Porque é que aquela neve se parece tanto com uma escrita salgada? As letras de sal não me respondem às interrogações. Em certa parte, parece-me estar escrito um “Yes”, mas, noutros lados, os caracteres são como letras chinesas, desenhadas com aprumo, porém, esborratadas pela cristalização daquele sal fingido. Concluo que, a ser uma mensagem, deve ser multilingue e eu não sou um poliglota. O pior de tudo é que o arbusto é grande e o texto ocupa toda a superfície. Não tenho máquina fotográfica capaz de registar toda a mensagem.
Fecho os olhos, abro-os novamente e repito a operação por diversas vezes. A coisa não está fácil. De súbito sinto uma serenidade intensa me invadir a alma. Volto a fazer a mesma experiência e, finalmente, descodifico o recado gélido. Não com o olhar, nem com o entendimento dos grafismos, mas apenas fazendo uso da alma e do coração. Aquela é, sem qualquer hesitação ou sombra de dúvida, uma mensagem de paz. Sinto-a no brilhar dos cristais do sal ou do gelo no interior do meu ego, lá bem no âmago de mim. O cintilar espiritual acompanha o fulgor que os meus olhos tinham visto. Exposto esse facto abandono o local com o coração aquecido pela tradução desvendada e parto sorrindo.
Gil Saraiva