103. Beijo Encantado , qual profecia com três mil anos, que vem de boca a boca sendo contada pelas anciãs. O milagre acontece sempre e de cada vez que o evento tem lugar, mas apenas ocorre nas devidas circunstâncias. É preciso estar em tempo de Lua Cheia, mesmo no ponto máximo do crescendo das marés, ter como fundo um universo limpo de estrelas se perdendo até onde a vista alcança, conseguir chegar ao ponto mais elevado de todo o espaço circundante junto à natureza, seja floresta, serra ou pico apenas, vestir de branco ou negro e, abraçando a dama desejada, cruzar as cabeças, fundindo lábios nos lábios num momento que tem de instante tanto como de infinito. Por fim o sapo vira príncipe, a bela acorda sem saber que esteve adormecida, o bem vence e o amor triunfa…
XIII
"SEXTO SENTIDO"
Se eu fosse um mouro,
Em seu castelo erguido
Na Serra que da Lua
Tem o nome e o sentir,
Gritando, lá do alto,
Sortilégios esotéricos
Ao povo Luso que a Serra invade,
Com sede de terra e de poder,
Para esse espaço a sangue,
Ferro e fogo conquistar...
Se eu fosse um nigromante,
Feiticeiro da Serra da Lua,
Qual mago que um tambor
Rufando enche de glória,
Senhor de Áfricas
Sem fim ou sem princípio,
Soberano dos vivos
E dos mortos evocados,
Dono da negra magia do Passado,
Podendo, com meus dons,
Fazer parar as leis da guerra,
Que os continentes
De todo enfeitiçaram...
Se eu fosse o vento
Que mais forte sopra,
No altivo castelo da mourama,
Na noite tempestiva de invernos
Perdidos entre lareiras
Que as memórias não consomem,
Por mais alto
Que arda a chama,
Por mais calor
Que a lenha produza...
Imperador de tufões,
De vendavais,
Rei do sopro
Que não se esgota nunca,
Por muito que me venha zumbir
Dentro da alma,
Sussurrando-me aos ouvidos
Desesperos de infinito,
Que parecem competir
Com a velha eternidade...
Se eu fosse a dança,
Que dança e não balança,
Em sete véus mágicos de moura,
Em movimentos de ondulante ritmo,
Marcado em cada passo,
Em que a forma acompanha o som,
Como se a perfeição
Estética da vida
Pudesse traduzir a festa
Da evidente humanidade
Ou a música da alegria da vitória,
Um grito mudo de gozo e de prazer,
Que ao Homem faz viver
E reviver no espaço e tempo,
Qual passo de baile
A celebrar eventos mil
Mais do que outros já havidos...
Se eu fosse a bela Primavera,
Terna de ambientes,
Florida nos caminhos,
Altiva no serrado,
Nesse Castelo dos Mouros
Amada a cada volta,
A cada curva,
Destemida e sem receio
De um dia perder a liberdade...
Enfim, uma estação solidária,
Realizada de viva esperança,
Cega de perfumes e odores
Em cada berro de vida
Que me cerca e me transborda...
Se eu fosse, por fim,
A Fortaleza Árabe,
Em Sintra altiva e imponente,
Ou simples mato,
Uma terra de medos,
Mistérios e surpresas,
Fonte de vida,
Abrigo de animais,
Floresta tropical,
Savana, bosque,
Ou ainda até,
E porque não,
Selva africana
Ou charneca em flor...
Se eu fosse tudo isto
E muito mais,
Diria,
Como direi agora,
A mesma coisa simples
E pequena:
"- Guarda só pra ti
Os meus segredos,
Meu amor,
E vive para que eu possa viver,
Pleno de ti,
Que sem ti nada é poder!...
Espera-me nesta vida
E na outra se a houver,
Com os teus braços abertos
Por carinhos,
Enfeitada de sedas e perfumes,
Cetins, veludos
E linhos de encantar
Ou nua apenas,
Qual odalisca que sem esforço
Conquista o temível sultão...
Mas mais que tudo
Ama o vagabundo dos limbos,
Ama Haragano, O Etéreo,
Este eu, cujo discurso
Se perde nas palavras,
Mas que este coração a ti doou,
Porque tu és
O meu sexto sentido!"
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
XIII
"LUAR DE SONHOS"
Chegou hoje branca a noite de luar
Com farrapos de sonhos no horizonte
Envolvendo a serra, monte a monte,
Humedecendo as almas de invulgar
Ambiente de oculto secular...
Chegou hoje branca a noite em alva fonte,
Entre luz e mistério sendo a ponte,
Que a Lua não nos diz como alcançar...
Chegou hoje branca a noite... quase trágica,
Translúcida de seres e sentimentos...
Chegou hoje branca a noite e por momentos
Raiou, em sensual passo de mágica,
Poisando branca em teus olhos tristonhos
E os transformando num luar de sonhos...
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
"LUAR DE SONHOS"
Chegou hoje branca a noite de luar
Com farrapos de sonhos no horizonte
Envolvendo a serra, monte a monte,
Humedecendo as almas de invulgar
Ambiente de oculto secular...
Chegou hoje branca a noite em alva fonte,
Entre luz e mistério sendo a ponte,
Que a Lua não nos diz como alcançar...
Chegou hoje branca a noite... quase trágica,
Translúcida de seres e sentimentos...
Chegou hoje branca a noite e por momentos
Raiou, em sensual passo de mágica,
Poisando branca em teus olhos tristonhos
E os transformando num luar de sonhos...
Haragano, O Etéreo in Livro de Um Amor
(Gil Saraiva)
"D. QUIXOTE"
Um sorriso do olhar... simples, mais nada...
Fazer parar o tempo nessa hora,
Saber morrer de amores, pla vida fora,
Apenas plo teu ar de apaixonada...
E, então, te ver brilhar, de alma encantada,
Nesse crepuscular que a serra adora...
Sentir-te, à luz da vela acesa, agora,
A cintilar de vida, porque amada
Te sentes hoje, pra sempre, meu amor,
Vida, que me cativa e prende enfim...
Ah! Como é bom ser teu e ter em mim
Tudo o que sou, pra dar-me em mais furor...
E se me és Dulcineia, verso, mote:
Faz, por amor, de mim teu D. Quixote!...
Haragano, O Etéreo in Livro de Um Amor
(Gil Saraiva)
"A CASA DA SERRA" Por entre um tique-taque conhecido E os assobios do austero e magro vento Crepita na lareira, enraivecido, Um fogo que à casa traz alento. Zanga-se o fogo, agora tão esquecido, Mas o velho granito, em pensamento, Comenta, com um brilho divertido: "- Ciúmes doutra chama em movimento..." Nessa casa da serra, em Salgueirais, Linda aldeia que o mapa não aponta, A chama do amor entre os mortais Tem dias que ao pudor rubor desponta... Pois que entre tique-taques conhecidos Crepitam corações de amor tecidos.... Haragano, O Etéreo in Cristal de Areia