XII
"QUEM..."
Quem
Tem na esperança
O sussurrar cálido das marés?
Quem
Encontra no próprio reflexo a alegria
De vivo se sentir com confiança?
Quem
Procura sempre o impossível
Sem temer ou mesmo desistir...?
Quem
Sente o nascer do Sol
No crepúsculo insustentável da madrugada?
Quem
Reconhece ser seu o Vagabundo
Perdido nos Limbos pela busca?
Quem
Vê o Haragano na bruma
E lhe reconhece os traços do Éter?
Um só alguém!...
E esse quem
Não tem o que temer,
Por que tremer,
Pois brilha mais alto,
Mais forte e mais além...!
E luta, como luta mais ninguém,
Mesmo na mais temível escuridão,
Acabando por encontrar, por conquistar,
E por sorrir, enfim, ao ver no espelho
A imagem refletora de um futuro
Que em cada segundo se torna presente...!
Que em cada “impresente” renasce em saudade!...
Assim...
Todos saberão conhecer o tal de quem,
Que no sussurrar ameno das marés,
Completará um próximo devir,
Com a forma simples de um sorrir...
Mas será realmente que esse quem,
Com a “imatemática” clareza dos sentidos,
Sente, o amor, sem incerteza?
Mesmo sem temer ou desistir?
Talvez...
Quantos ou quantas acharão sinais
E por engano se julgarão escolhidos?
Só quem acreditar que jamais
A ilógica absurda, de um tão grande amor,
Poderia servir de engodo vil
Ganhará a glória terminal!
E esse alguém terá...
No sussurrar cálido das marés,
Na alegria de vivo se sentir,
Na procura impossível sem temer,
No crepúsculo insustentável da madrugada,
No brilho mais alto, mais forte, mais além,
Na busca perdida pelos Limbos,
E na mais temível escuridão,
A taça da vitória conquistada,
A certeza de saber que o quem
É ele ou ela e mais ninguém!
Para mim,
Apenas importa esse meu quem!
E espero meu amor, querida, meu bem,
Que a taça seja eu e ela tua,
Tal como o infinito é mais além,
Tal como da Terra satélite é a Lua...
E só assim,
Por fim,
Na forma de um sorriso, feito belo,
O meu quem se refletirá da cara nua,
Por provir simples, franco, singelo,
Desse amado rosto, dessa face tua!
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
V
"Haragano, O Etéreo"
(A HISTÓRIA...)
Ao princípio
Senti-me como que um desaparecido...
Não em combate,
Como certos militares em terra estranha...
Não no triângulo das Bermudas,
Como reza a história de muitos navios...
Não em pleno ar,
Como se fosse um avião
Engolido pela própria atmosfera...
Não! Nada disso! Desaparecido de mim...
Sem identidade... Sem existência...
Sem referências... Sem sentido de viver...
Imagine-se a montanha!
Grande! Monstruosamente grande!
Gigante mesmo
Elevando-se na planície!
Isso fui eu,
O eu Narciso antes da primeira queda,
Antes do começo das erosões...
Seguidas, repetidamente insistentes,
Continuadas no tempo e na vida...
Isso fui eu,
Antes dos abalos, dos sismos,
Dos terramotos sem fim
Num mundo feito de sobrevivência
Mais que de essência!
E a montanha foi perdendo forma,
Volume, dimensão...
Até se confundir na planície amorfa
Da multidão sem rosto,
Sem esperança,
Sem dignidade
E sem amor próprio...
Aparentemente,
Eu tinha desaparecido,
Sem que um vestígio de sobrevivência
Servisse de pista
Para uma busca por mim mesmo...
Imagine-se um desastre
Num qualquer ponto isolado do globo,
Onde um hipotético sortudo
Salvo da morte pelo acaso,
Irremediavelmente ferido,
Acabasse por ficar
Virtualmente irreconhecível
Perante a exposição ao tempo
E às depredações dos animais
E da própria natureza...
Isso era eu!
Perdido de mim e dos meus...
Desaparecido do mapa
Dos humanos com voz própria!
Ao princípio
Foi assim que me senti.
Depois, dei conta que vagueava
Sem destino ou rota certa...
Algures entre nenhures,
Um ser disforme,
Parco de alma e existir...
Durante momentos que pareceram anos,
Durante anos que não tiveram momentos,
Apenas procurei, não sei o quê...
Não sei porquê...
E não sei como...
Quando finalmente dei por mim,
Não passava de um vagabundo,
Perdido de si em busca do ser...
.
Era como se os locais,
Por onde a minha sombra
Me garantia a existência,
Fossem nuvens sem forma,
Estradas sem referências,
Caminhos sem lei...
Apenas limbos...
Apenas Éter...
Às vezes sentia
Que estava numa grande teia,
Cheia de predadores,
Plena de vítimas,
Ávida de sentidos e sentimentos...
Uma teia universal que me envolvia
Como uma rede escura e semieléctrica...
Descobri, aos poucos,
Que tinha sido absorvido pela internet
E que me tornara
Num Vagabundo Dos Limbos,
Em Haragano, O Etéreo,
Numa Lenda Urbana
De quem nunca ninguém ouviu falar,
Num Senhor dos Tempos
Sem tempo para si mesmo...
Um Sir, à inglesa, polido na forma,
Vazio no intimo de si próprio,
Repleto de vontade e de reconstrução...
Um Vagabundo Dos Limbos,
Haragano, O Etéreo,
Em busca da identidade esquecida
Num passado sem memória...
Até que renasci,
Gritando aos cinco ventos
A minha alvorada...
Vento de ser,
Vento de existir,
Vento de viver,
Vento de sentir,
Vento de amar...
De novo era gente,
Uma criatura nova,
Não na idade que essa
Não deixa Cronos em cuidados,
Mas na vida.
Eu era...
Eu sou, esse Sir,
O Vagabundo Dos Limbos...
Haragano, O Etéreo...
Pela rede universal transmitindo
A história de uma alma
Que aos poucos fui reconstruindo,
Sem vaidade, sem orgulho,
Sem a certeza sequer de ser ouvido...
Porém... com a esperança
De que ao falar globalmente
Para este universo imenso,
Possa um dia agir localmente
Na alma de um ser que como eu
Se sinta desaparecido a dada altura...
Assino, como me conhecem:
Sir, Vagabundo Dos Limbos,
Haragano, O Etéreo...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
XIV
“NA SOMBRA”
Aqui o verde é terra e é um espanto,
Do rio do Inferno à fortaleza,
Da ilha da saudade, em natureza,
Até ao galeão, p’lo verde manto…
Aqui o azul é mar, lágrima e canto,
É porto, é farol, sempre em beleza,
Oceano cristal, vida, pureza,
É navegar na praia do encanto…
Aqui respiro magia e sortilégio,
No Morro de S. Paulo, em Tinharé,
Séculos de histórias, máculas e fé
Chegadas de um passado em tempo régio…
Na sombra de um chalé, em Portaló,
Aqui, eu escrevo… aqui jamais ‘stou só!...
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
IV
“MIL AMORES”
No ar
O som das aves é vida,
É luz que brilha atrevida,
É música, é alegria
Cantada como por magia
Em tom de felicidade
Com força, com garra, com vontade…
Pelas calçadas e valados
De um cinza feito de matizes,
Onde desponta aqui e ali a cor da terra,
Pelos arbustos salpicados
Entre o verde das copas
E o amarelo das raízes,
Por entre tons do morro
Que lembram serra,
Pelo verde da erva tão garrido,
Pelas pétalas que o tornam colorido,
Por toda a parte enfim,
Pairam aromas mil
De mil e uma flores,
Pairam partes de mim
Enfeitiçado pelo verão primaveril,
Por Portaló,
Por mil amores…
Haragano,o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
I
“ RÚSTICA ENTRADA”
Quem chega
O porto atravessa
E o portal;
Se de barco chegou
É natural
Que no verde pasmem os olhos,
Sem pressa,
Porque a paisagem
É de ritual,
De verdes, aos molhos
Das árvores caindo
De todos os tons,
O chão colorindo,
Bichos, gente, sons…
A dois passos somente
O Portaló,
Ali, alegremente,
Como um sol-e-dó,
Parece,
Pela rústica entrada,
Convidar quem passa,
A prolongar a estada,
Com seu ar de graça…
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
VII
“ENTRADA NO PARAÍSO”
Porto e Portal,
Da vila imponentes entradas,
A quem tributo até as aves prestam,
Onde o chegar é natural,
Lembrando talvez outras arcadas
Ou romantismos que se manifestam
Numa vassalagem da memória
De gerações vividas,
Longa história,
De muitas vindas, muitas idas…
Pegadas gravadas pelo tempo,
Entre o riso e o contratempo,
De quem ali passou,
De quem dali gravou
O portal, o porto, o movimento,
De quem ali viveu mais que um momento…
Este todo é belo,
Fascinante, admirável,
Simples porto,
Onde se chega num sorriso,
Para depois transpor portal austero,
Memorável,
Que ao atravessar nos põe no paraíso…
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
VI
“PORTO E PORTAL”
Morro de S. Paulo, Tinharé,
Cheira a Brasil e a saudade,
Aroma mais puro que o café,
Um cheiro profundo a felicidade…
Descer na paisagem,
Até tocar o mar,
Por rampa de miragem
Singular
Onde carros de mão,
De malas cheios,
Dizem ser táxis,
Sobem de escalão,
Movidos a braços
Num calor de Verão…
Descer quase parece por desporto
E atracado bem perto a um portal
Que com coragem a tudo resiste,
Feito de séculos, pedras e de cal,
De obra humana firme que persiste,
Qual testemunha histórica da vila,
Eis que se pode vislumbrar o porto
Recebendo os turistas de mochila…
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
IV
“TINHARÉ”
Tinharé
Se desvenda e redescobre,
Do homónimo arquipélago
Se destaca,
Impõe naturalmente um porte nobre,
No vestir rico da verde casaca,
Feita de Mata Atlântica em frescura…
Tinharé é terra, é ilha pura…
Qual esmeralda brilhando
Entre ametistas,
Tinharé
Deslumbra pelas vistas…
Verdejante de vida
E de natura,
Parece esquecer a amargura
Dos dias que pareciam sem saída
Nos tempos velhos da escravatura…
Em plena Mata Atlântica
Sitiada,
A ilha parece quase desenhada
Para, sendo deslumbrante
E desejada,
Se tornar doravante,
De improviso,
No último sonhado paraíso…
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
III
“VERDE E OURO”
Quem não queria poder ver mais além?
Se olhar a Bahia na chegada, lá do ar,
Nos faz sorrir, tremer, e mais, sonhar,
Ao descer encontramos outro bem
Ao continuar ainda mais mirando,
Ao vermos, por fim também, focando
As torrentes cristalinas de água
Agora desabando
Em chuva tépida, lágrimas sem mágoa,
Que nos mostram as ilhas na paisagem,
Frente à Bahia, quase uma miragem,
Como gotas puras, meigas, generosas,
Quais gemas saindo preciosas
Do Atlântico que lhes presta vassalagem…
As mornas chuvas tropicais vão lavando
Nas ilhas o verde e o ouro naturais
E em instantes, minutos, vão limpando
Os tons de jade puro e de cristais,
Por caminhos tornados aquedutos,
Onde as águas escorrem cristalinas,
Onde chapinham rapazes e meninas…
A natureza parece estar sorrindo,
Banhada de alegria ao Sol fugindo
Qual corcel, que por ravina,
Ao vento correndo dá à crina…
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
II
“BAHIA”
Primeiro a Via Láctea,
Galáxia nossa no Universo imenso…
Uma vez localizada
Procurar a agulha no intenso
Palheiro celestial
E, quando encontrada,
Desvendar por fim o Sistema Solar,
Berço do nosso bem, do nosso mal,
Coisa nossa, casa, terra, lar…
Depois… depois o Sol, os Planetas… olha a Terra…
Oceanos, continentes… paz e guerra…
E, já focando os trópicos, bem mais perto,
Avistar o azul e o verde da Bahia,
Imagem inversa do deserto,
De mata atlântica, em total harmonia,
Brilhando plena à luz do Astro Rei,
Jóia maior que descrever nem sei…
Eis a Bahia finalmente…
Imagem sagrada que se guarda qual tesouro,
Que brilha mais do que ouro,
Num verde e azul por si só tão reluzente…
E quase gemo e grito:
Isso… Bonito!
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)