XXX
"RAPTOR"
Feliz aniversário lhe roubaste:
Ai! Diz-me onde se encontra a maravilha?
Mostra-me as pistas dessa tua trilha,
Pensa na dor que deixas, no desgaste...
Sabes ó raptor quem lhes tiraste...?
Eles são pai e mãe mas já não brilha
Ali, bem ao seu lado, a sua filha...!
Ai, são eles os dois quem mais mutilaste!...
É deles, pai e mãe, o amargo gosto...
Só eles sentem mesmo a dor suprema,
De não verem agora o meigo rosto
Da criança brincando sem problema...
É deles o total vazio exposto...
Só mesmo eles sentem o poema!
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXIX
“TREMOR DE TERRA”
Treme a terra em Itália fortemente,
Abre-se o chão com fendas de amargura,
Desabam edifícios na loucura
Da noite de terror que cai na gente…
Morrem homens, mulheres e mais pungente
Morrem crianças na idade pura,
Assim roubadas à vida futura,
Sem um porquê que limpe nossa mente…
Caem as casas aos milhares, no chão,
Ninhos de vida agora abandonada…
Treme, por todo o mundo, a Terra amada
Num caos feito de entulho e emoção…
Na dor se apaga então a nossa crise,
Que esta, perante a morte, é… nem deslise!...
Haragano, o Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXVIII
"MAR SALGADO"
Olho pra mim e não me reconheço;
Perdi brilho e sorriso no olhar;
Ganhei rugas de dor em cada esgar
E sei que já não sou nem quem pareço...
Duvido se de facto te mereço;
E sinto o teu olhar se evaporar
Submisso ao raciocínio singular
De que não sou quem q’rias no começo...
Julgo que a nossa marcha terminou,
Dizes que divergimos nos caminhos,
Juras que troquei rosas por espinhos,
Pensas saber que nada mais sobrou...
Olho pra mim e não me sinto amado;
E parto em meu olhar... um mar salgado!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXVII
"SEM SABER COMO"
Que vou fazer agora meu amor?
Ai, diz-me, por favor, que faço agora?
Devo afogar na dor meu ser que chora?
Devo chorar o amor sem teu calor?
Devo existir sequer? Oh, por favor,
Diz-me o que hei-de eu fazer, já, nesta hora
Em que fiquei sem ti, que foste embora?
Como vou eu viver com esta dor?
Não tens resposta, já não dizes nada,
Deixaste que te amasse e me iludi,
Pensei que a minha vida era pra ti
E afinal acabei só nesta estrada!
É tão triste, mas tão triste sonhar
Para, sem saber como, eu acordar!
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXVI
"ARDO"
A dor que dói assim qual fogo ardente,
Que nos consome em chamas mil, devora
A pouco e pouco a alma, e se demora
Nos consumindo o ser, o sermos gente...
A dor que dói assim me faz demente,
Qual tocha humana que arde a toda a hora...
E em labaredas choro meu ser agora,
Lágrimas inflamadas em torrente...
Eu choro a dor que dói, a dor profunda,
De te perder de mim, de ficar só,
Mas estas chamas fazem mais que dó,
Me tornam a existência vagabunda!
Qual tocha humana eu ardo sem momento,
Que a dor que dói assim não leva o vento...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXV
“A VIDA…”
Por entre o vento e frio da terra agreste,
Por entre a chuva agora copiosa,
Vendo nuvens de forma volumosa
Vindas do cardinal de noroeste,
Vejo surgir o Sol no brilho infindo
Da figura que chega, mais formosa
Do que uma Primavera gloriosa,
Que pelo mês devia já ter vindo…
És tu que chegas perto, meu amor,
Com o Sol nos cabelos trazes luz,
Com um brilho dos olhos que seduz
Até a terra fria e sem calor…
Obrigando o Inverno à despedida,
Vem! Qual Verão tropical tu és a vida…
Haragano, o Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXIV
"ADEUS MÃE"
São as chagas de Cristo em cada palma,
Flagelos mais de mil, aqui... além...
São lágrimas de fogo em noite calma,
Soluços que o meu peito não contém...
São farrapos dispersos da minha alma,
Recordações, saudades, sei lá bem!...
São como as roxas malhas de uma talma
Que parece sofrer por minha mãe...
São sombras de mistério... vago fumo...
Folhas seguindo o vento neste Outono!...
Folhas de quem vou eu seguir o rumo
Rolando pelo chão... Terminal sono!...
Mãe choro o teu sorriso, coisa pouca,
A falta dos teus braços, dessa boca...
Haragano, o Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXIII
“ROSA DO RIO”
Um dia, numa noite, sem esperar,
Ai, a mais bela flor, eu encontrei…
Como uma rosa, digna só de um rei,
Era como veludo ao desfolhar
Sem, no entanto, preciso ser tocar…
Gotas de orvalho nela vislumbrei,
Com um brilho que descrever não sei,
E que então me fizeram deslumbrar…
Mas rosa a flor não era propriamente,
Descia à beira rio, sem ter raiz,
Doava luz ao rio de tão feliz
Procurando aventura na corrente…
Era uma flor livre, era um sentimento,
Flor radical, pintura de um momento….
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXII
“PAISAGEM...”
Mais uma vez o olhar bebeu paisagem,
Esse meu pobre olhar, desgovernado,
Viu searas de trigo tão doirado
Que luz davam aos verdes, qual miragem,
De que dois olhos de água eram imagem…
Mais uma vez fiquei, ali, parado…
E, a custo, de meus dedos fiz arado
E com eles lavrei uma massagem
Por vales e encostas, com ternura,
Em momentos roubados ao prazer,
Por deles, por direito, não os ter,
Sorrindo no secreto da loucura…
E a paisagem surgiu alva e perfeita
Dos cumes onde o vento se deleita…
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
XXI
"Vida"
Pegar numa palavra sem sentido,
Fazer dela poesia, forma, rosto,
Torná-la expressão ou algo imposto
E dar-lhe a melodia, o ar vivido
Das outras com passado já perdido...
Conotar com prazer ou com desgosto
Essa palavra nova, ainda em mosto,
E dar-lhe um coração vivo, garrido...
Fazer dela senhora... mais: Rainha!...
Palavra das palavras, a maior!
Vida: Pode ser uma adivinha,
Um sonho, um riso, um grito ou um condor...
Seja o que for, Vida é sempre minha:
Amada, vida, dor... ou meu amor...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)