391. Beijo de Tudo , apenas porque é tudo, e não partes de uma globalidade. O que se necessita indivisível para poder contar, convir ou ter qualquer importância, valor ou capacidade de, por isso mesmo, se tornar diferente. Importa primeiro, que o ritmo cardíaco signifique inequivocamente a existência de sentimentos traduzíveis por amor. Seguidamente é necessário que todo o organismo se sinta apto a seguir esse sentir. Em sequência torna-se obrigatório o envolvimento do espírito globalmente integrado e apoiante do físico. Por último, a alma e a essência têm que concordar com a atuação dos nossos seres. Só assim se tem um beijo pleno por entrega plena a quem nos torna plenos. Beijo de tudo, apenas porque menos é decerto pouco.
XIV
"POR MAIS..."
Por mais
Que o encanto
Pareça estar quebrado...
Por mais
Que o sonho
Tenha dado lugar ao Sol
Depois de um raiar irritante
E nublado da aurora...
Por mais
Que o cotidiano
Me tente chamar à razão,
Qual despertador enervante,
Repetitivo,
Monótono
E incansável...
Por mais
Que a flor
Se encontre oculta...
Por mais
Que tudo...
Nada vai parar
Quem sonha
Com o que sabe querer,
Por mais
Que o sonho
Demore a chegar...
Por mais que o sonho
Demore
A sonhar...
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos da Flor
(Gil Saraiva)
VI
"FELICIDADE"
Dar asas à imaginação exige
Que nos afastemos da realidade...
Não podemos imaginar
Presos no colete-de-forças
Das normas e das leis,
Dos parâmetros sociais
Em que estamos envolvidos...
Imaginar
Implica liberdade de espírito,
De conceitos, de regras e de tabus...
Tal como a imaginação
Apela a uma forte libertação
Também o amor demanda
Os mesmos procedimentos...
Para amar é preciso ser livre
E estar disposto a tudo...
A diferença entre amar e imaginar
Traduz-se no objetivo
De cada um dos termos,
Na força implícita
Que em cada caso teremos que usar...
Se a finalidade da imaginação
Se retracta no acto criativo
De gerar um contexto
Nunca antes tornado cognitivo,
Em que o esforço pedido à mente
É apenas de abstração,
Já amar obriga à utilização
De todos os recursos do ser
E tem, por fim,
A conquista inequívoca
Do que se ama...
Uma certeza podemos ainda acrescentar:
Quem ama utiliza, vezes sem conta,
A imaginação como recurso, meio,
Perspetiva e criação
Dos seus cenários de futuro,
Tornados presente em cada hora...
Já quem imagina apenas se limita
A criar a metáfora de cenários
Ou futuros possíveis
Sem a preocupação de com eles atingir
Qualquer nível de alegria.
É aqui que reside
A diferença fundamental:
Imaginar solicita um ato criativo
Por si só suficiente,
Enquanto amar possibilita
Que se encontre a chave última da razão
Pela qual todos existimos:
A felicidade!...
Por tudo isto
Eu confesso neste testemunho
Que sou livre e feliz:
Não só eu imagino que amo...
Como amo porque me tornei
Inegavelmente detentor
Da Felicidade!...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
ACHAS DE UM VAGABUNDO
I
"ADORMECER..."
Quero ver o brilho de teus olhos
Refletir o gozo do teu ventre...
Quero...
Porque tu,
Fronteira marginal de meu prazer,
Fonte viciada onde me banho,
És rochedo que se ergue
Junto à praia,
És terramoto,
Epicentro de mim e tudo o mais...
Quero ser a maré
Que sobe à tua volta
E que volta a descer
Suavemente
Ou com a fúria das vagas,
Que na Adraga,
Moldam a seu belo prazer
A dura rocha....
Quero poder provar o sal
Das tuas ondas;
Escondendo-me à força e,
À vontade,
Explodir dentro de ti
Nascente natural do meu querer,
Fonte viciada onde me venho
Pra regressar, um dia,
Não sei quando...!
E quero poder olhar para o mundo
Sem o ver;
Sentir a multidão
Sem a sentir;
Falar com a vida
Sem falar;
Pois sei que apenas quero ter
A tua companhia e saber ir
Para onde contigo
Possa estar...
Quero ainda
Que os nossos pensamentos
Se envolvam
Conforme os movimentos!...
Eu quero tudo amor
E tudo é pouco,
Porque o tudo é nada
Sem te ter...
Mas o que é tudo?
(Por um momento o espaço
Fica mudo
Para em seguida,
A minha voz, dizer...):
- É o rever teu rosto de mar
A cada amanhecer
E já, indo alta a noite,
Voltar a vê-lo adormecer...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
IX
"FLOR DA PELE"
Sentir à flor da pele o verbo amar,
Amar de corpo e alma, com furor...
Sentir, vibrar, viver e pressupor
Que o ser humano tem num só olhar:
A força e a vontade de lutar,
A garra e o poder de sobrepor
A tudo e todos a palavra amor,
Por mais que essa palavra vá custar!...
Sentir, à flor da pele toda uma vida
No prazer divinal de um só orgasmo...
Viver de gosto em pleno entusiasmo,
Amar sem fronteiras, foragida...
Assim sempre tu és e apaixonada
Amas-me à flor da pele... da pele suada!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
V
"BASTOU..."
Nos braços de mulheres, vezes sem conta,
Caí durante um tempo que não sei...
E nos seus ventres foi meu ceptro rei,
Vassalo, escravo, prémio e mesmo afronta...
E nos seus lábios minha boca pronta
Bebeu todo um amor que eu não provei...
E porque tudo tive... nada dei,
Apenas saciei-me em carne tonta...
Em braços, por mulheres, meu ego andou,
Vampiresco animal por emoções...
Eu fui o outro lado do que sou
Somando caras, ventres, erecções...
Mas me perdeu um dia Lúcifer,
Bastou um só olhar de ti... mulher!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
IV
"É APENAS AMOR"
É apenas amor, mas se isso é tudo
Como posso viver tão longe agora?
Como sorrir à dor que me devora
Se o espelho cada vez é mais sisudo?
Como posso viver se esta demora
Me afasta de teu ventre de veludo?
É apenas amor o grito mudo
Que dentro do meu peito, em fogo, chora!...
É apenas amor, por ti, amor...
Meu olhar turvo, a voz meio abafada,
A mão dormente, o corpo sem calor,
O vazio da mente enevoada...
Tem apenas amor meu Universo
E já nem forças tenho pra outro verso!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
f
"TUDO E NADA" Amor, num golpe, é espada e cativeiro; Amor é chave, é vinha e é guarida; Amor é já, também, a nova vida; Amor é universo e é celeiro; Amor é flor exposta num canteiro: Orquídea, rosa, cravo ou margarida? Não importa saber qual a mais q'rida, Se em lapela ao amor tomam o cheiro... Amor é coração, amor é dor, É ter; é ser; é estar; é acordar; Amor é o primeiro beijo dar; Amor é quando ao vê-la tem calor Perdida face agora enamorada... Amor é sempre tudo; é sempre nada!... Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus (Gil Saraiva)