IX
"NÃO LEIAS..."
Não leias...
Não leias estes versos
Meu amor,
Eles, que são pra ti,
Não deves ler
Pois não podes, jamais,
Pensar saber
Que meros versos são...
Uns sem valor...
Não leias estes versos...
Por favor...
Neles, faminto vivo
Por viver,
Neles, razão tu és
Deste meu ser,
Neles, eu nada sou
Sem teu calor...
.
Não leias estes versos
Que te escrevo,
Não pode o teu amor
Calhar-me à sorte,
Não tenho as quarto folhas
Num só trevo
Se na roda da vida
Tenho a morte...
Não leias estes versos
Sonho terno
Se eu em teu existir
Não for eterno...
Não leias estes versos
Que falam de um de nós
Que apenas minha mente
E minha voz
Inventaram de forma inconsistente...
Não leias estes versos...
Estou doente!...
Como podes tu ler
Esta passagem
Se mais real que tu
É uma miragem!...
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos Da Flor
(Gil Saraiva)
IV
"ETERNA ROCHA"
A flor do jardim olhou para mim...
Eu, um Vagabundo Dos Limbos,
Da net; Senhor da Bruma, da noite;
Haragano, O Etéreo...
Lenda urbana de quem nunca
Ninguém ouviu falar...
Passava perto, a caminho da vida,
E a flor do jardim olhou para mim...
As pétalas penteadas pela brisa,
O tronco hirto e firme pela certeza,
As folhas como braços abertos
Em minha direção...
"- É contigo que eu quero partilhar
A minha essência...
Aqui, numa cama de pétalas,
Sob um céu de luar...
Vem! Terás contigo o perfume da noite,
O sorriso das estrelas,
A plácida tranquilidade da Serra
Perante a eterna vigília da Lua...
Vem! Ocupa o meu jardim, sê meu Senhor,
O Senhor da Serra da Lua,
Dono do meu amar, do meu amor..."
Olhei a flor do jardim...
Ainda suspirava na ansia da resposta...
Olhei a flor, ali, ao sol exposta,
Branca e pura como a pura neve,
Silvestre e livre como a liberdade,
Doce e bela como a natureza...
Sorri... Oh como eu sorri...
Sorri de orgulho daquele olhar florido
Em mim poisado,
De vaidade infinita por me sentir
O desejo profundo de uma flor
E respondi:
"- Flor, eu sou um Vagabundo Dos Limbos,
Da net; Senhor da Bruma, da noite;
Haragano, O Etéreo,
Lenda urbana de quem nunca
Ninguém ouviu falar,
Buscava perdido o caminho da vida,
Em confusão, e... afinal...
Tudo é tão mais simples...
Serei teu e serás minha
Se o orvalho da madrugada
Eu poder ser em tua sede,
Alimentando-te a raiz e o existir...
Serei, enfim, o solo onde te firmas,
Servo da terra onde és jardim...
Não te quero eu perder,
Dá-me o teu etéreo existir
Na eternidade,
Transmuta-me na Serra da Lua...
Que a minha voz seja agora
A do vento que sopra de Ocidente,
A saliva o mar
Que desagua no meu corpo
E meus passos as pegadas do futuro
Que um qualquer dinossauro
Marcou na eterna rocha..."
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos da Flor
(Gil Saraiva)
NOS CAMINHOS DA FLOR
I
"A PALAVRA"
O bar ao fundo...
O motivo era a espera,
Uma espera com fim anunciado:
Ela não devia demorar!
Na sala cheia ninguém dava por mim,
Naquele canto destinado
A ilustres desconhecidos,
Como eu, aliás...
A multidão falava de quotidiano,
Falava de tudo,
Mesmo sem muito conseguir acrescentar...
Na minha mente
Uma só palavra parecia bailar
Entre a ponta da língua
E a garganta seca da cerveja
Já extinta no copo da imperial,
Havia algum tempo...
O bar ao fundo...
Uma só palavra...
E ela que tardava...
Pela milionésima primeira vez
Consultei o relógio,
Era verdade:
Os segundos continuavam a passar
No ritmo incontrolável
Do Tempo...
Levantei o olhar...
Ela sorriu para mim
Uma vez mais,
Como mil e uma vezes o fizera
Anteriormente...
E a palavra ganhou forma de novo,
E o Tempo parou,
E o bar pareceu vazio,
E a garganta húmida
Ganhou voz e lançou a palavra,
Pela milionésima segunda vez,
Pela ponta da língua:
Amo-te!
Haragano, O Etéreo in Nos Caminhos Da Flor
(Gil Saraiva)
XVI
"UM POEMA"
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Se for ouvido é música divina,
É arte,
É voz...
Mas se na valeta
Do esquecimento
Ele cair
Então
O poeta morreu uma vez mais,
Mas não sem antes sofrer muito
Para além do suportável
Pelo comum dos mortais...
Quantos de nós,
Muito além desse sentido,
A que chamamos de audição,
Escutamos realmente o grito mudo?
Quantos de nós ouvimos
No marasmo do nosso cotidiano
Um só poema?
"-Depende..."
Dirão os mais sensíveis...
"-Eu acho que sim!"
Afirmarão os convencidos
Pelas lições que a vida
Lhes foi dando...
"-Eu escuto..."
Dirás tu
Com medo da tua própria voz...
Um poema
Nada tem de silencioso,
Mágico ou natural,
É sim um grito mudo
Do amago de quem escreve
Para a essência de quem lê...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
ACHAS DE UM VAGABUNDO
I
"ADORMECER..."
Quero ver o brilho de teus olhos
Refletir o gozo do teu ventre...
Quero...
Porque tu,
Fronteira marginal de meu prazer,
Fonte viciada onde me banho,
És rochedo que se ergue
Junto à praia,
És terramoto,
Epicentro de mim e tudo o mais...
Quero ser a maré
Que sobe à tua volta
E que volta a descer
Suavemente
Ou com a fúria das vagas,
Que na Adraga,
Moldam a seu belo prazer
A dura rocha....
Quero poder provar o sal
Das tuas ondas;
Escondendo-me à força e,
À vontade,
Explodir dentro de ti
Nascente natural do meu querer,
Fonte viciada onde me venho
Pra regressar, um dia,
Não sei quando...!
E quero poder olhar para o mundo
Sem o ver;
Sentir a multidão
Sem a sentir;
Falar com a vida
Sem falar;
Pois sei que apenas quero ter
A tua companhia e saber ir
Para onde contigo
Possa estar...
Quero ainda
Que os nossos pensamentos
Se envolvam
Conforme os movimentos!...
Eu quero tudo amor
E tudo é pouco,
Porque o tudo é nada
Sem te ter...
Mas o que é tudo?
(Por um momento o espaço
Fica mudo
Para em seguida,
A minha voz, dizer...):
- É o rever teu rosto de mar
A cada amanhecer
E já, indo alta a noite,
Voltar a vê-lo adormecer...
Haragano, O Etéreo in Achas para um Vagabundo
(Gil Saraiva)
IV
"É APENAS AMOR"
É apenas amor, mas se isso é tudo
Como posso viver tão longe agora?
Como sorrir à dor que me devora
Se o espelho cada vez é mais sisudo?
Como posso viver se esta demora
Me afasta de teu ventre de veludo?
É apenas amor o grito mudo
Que dentro do meu peito, em fogo, chora!...
É apenas amor, por ti, amor...
Meu olhar turvo, a voz meio abafada,
A mão dormente, o corpo sem calor,
O vazio da mente enevoada...
Tem apenas amor meu Universo
E já nem forças tenho pra outro verso!...
Haragano, O Etéreo in Terra de Vénus
(Gil Saraiva)
V
“HARMONIA”
Aqui,
Neste hotel me sinto estranho,
Aqui,
Nada é pequeno nem tacanho,
Aqui,
Eu vivo paz, me sinto em casa,
Aqui,
Posso voar sem grão na asa….
Por entre árvores de fruto e palmeiras,
Por entre arbustos, por entre trepadeiras,
Passam correndo répteis velozes,
Lagartos, entre o verde e o castanho,
Fugindo sem tempo para poses,
Com medo de nós pelo tamanho
Ou pelo gargalhar das nossas vozes…
Por todo o lado
Vibra, quase com ardor, a empatia,
O sonho aqui está acordado
E a saudade é meta para um dia…
Tudo aqui é natureza na essência,
Aves, flores, gentes e magia,
Tudo aqui é puro, é existência,
Porque aqui se respira a harmonia…
Haragano, o Etéreo in Portaló
(Gil Saraiva)
"SONHOS DE POETA"
Aqui nos encontramos, os amantes,
Entre poemas não ficamos sós...
Dos versos que dizemos, somos voz,
Dos outros, que nos dizem, figurantes...
Somos um todo uno, por instantes,
Sorrimos e choramos, somos nós...
Afluentes de um mesmo rio, a foz,
Sensíveis... raros, somos os Atlantes
Em vias de extinção neste milénio...
Que os sonhos de poeta são morada
Daqueles que, ao escrever, são mago e fada...
Desses pra quem o verso é oxigénio...
E, se um final feliz temos por meta,
É porque temos... sonhos de Poeta...
Haragano, O Etéreo in Livro de Um Amor
(Gil Saraiva)
"LILÁS"
Cor mais linda, pintura de açucenas,
Ali, na noite escura, és recordar
Na boca sensual que quer amar...
Uma voz rouca... só... sorrindo apenas...
Imagens simples, férteis e pequenas,
Mas tudo traduzido em um olhar...
Frenética loucura de um gostar
Jamais um mar será de águas amenas...
Um rio de cor, reflexos de sentir,
Um só lençol de seiva, uma choupana,
Que pode um coração fazer explodir
Ao som de um samba sob a luz cigana...
Cor mais linda, que uns lábios faz mordaz,
És por amor, ternura, a cor lilás...
Haragano, O Etéreo in Livro de Um Amor
(Gil Saraiva)